Joaquim Miranda Sarmento: "O que podemos esperar do Orçamento para 2020?"

2 de dezembro de 2019
PSD

Artigo de Joaquim Miranda Sarmento, porta-voz do CEN para as Finanças, publicado no jornal ECO, a 2 de dezembro de 2019

 

Dia 16 de dezembro, de acordo com o anunciado, o Governo apresentará no Parlamento a proposta de Orçamento do Estado para 2020. Tendo tomado posse a 26 de outubro, nos termos da Lei de Enquadramento Orçamental, o governo tem 90 dias para apresentar o OE no Parlamento, o que significa que a data limite seria a 24 de janeiro. O que podemos esperar do OE/2020?

As notícias vão dando conta de alguma (mais do que o habitual e natural) conflitualidade entre os ministros e o ministro das Finanças. Mas, fora isso, o Governo tem dado muito poucas indicações. E as que vão aparecendo, como é o caso do englobamento obrigatório das rendas e rendimentos de capital no IRS, são rapidamente descartadas pelo executivo. Esta semana foi elucidativo de como o governo será incapaz de tomar uma medida que possa ter alguma impopularidade ou controvérsia. Durante algum tempo ouvimos várias pessoas ligadas ao Partido Socialista a defender o englobamento. Agora que o primeiro-ministro descartou essa ideia, é ver o volte-face dessas opiniões.

Mas o exercício de prever o que trará o OE/2020 não é particularmente difícil, por duas razões: Pela conjuntura e pelo histórico dos últimos quatro OE apresentados pelo ministro das Finanças. Comecemos por aí.

Nestes quatro anos, o Doutor Centeno apresentou em cada ano um OE ao Parlamento para agradar aos parceiros da extrema-esquerda, mas depois executa a pensar em Bruxelas. Em 2016 ainda conseguiu enganar, apresentando no papel um OE que depois executou de forma bastante díspar. Mas a partir do OE/2017 só foi enganado quem quis. Aliás, no excel do Doutor Centeno provavelmente há apenas 4 premissas:

  1. A carga fiscal tem de parecer que baixa (mesmo que depois suba)
  2. O investimento público tem um crescimento elevado face à deceção que foi a execução do ano anterior (mas depois continua a não executar)
  3. Tem de haver pequenos aumentos nas prestações sociais.
  4. O défice estrutural tem de se reduzir face ao ano anterior, mesmo que as medidas em termos líquidos não tenham impacto. Basta modelar o PIB potencial.

Na carga fiscal, o que vimos nestes 4 anos? No OE/2017, a carga fiscal prevista era de 36.6% (ficou nesse ano em 36,9%). Para 2018, a carga fiscal prevista era de 36,7% (terá ficado nos 37,1%). Por outro lado, é verdade que ao longo da legislatura, com a alteração dos escalões e o fim da sobretaxa, isso representou uma redução do IRS em mil M€. Só que as medidas de aumento dos outros impostos, nomeadamente no imposto sobre os combustíveis, representou cerca de 1.2 mil M€. Dá com uma mão o que tira com a outra é uma política fiscal que pode ser “anestesiante”, mas que não reduz o esforço fiscal dos Portugueses. O gráfico abaixo mostra esse efeito.

No investimento público, com exceção de 2016, os OE traziam sempre um “enorme” aumento do investimento público, uma “aposta estratégica” no investimento em setores como a ferrovia, transportes urbanos ou saúde. A realidade? A FBCF em 2015 foi de 2,2% PIB. Em 2016 ficou-se pelos 1,5% (menos mil M€, que ajudam a explicar muito do “milagre orçamental” do Doutor Centeno). Em 2017 o OE prometia um aumento do investimento público em quase 50% face ao real de 2016 (no OE/2017 ainda se ocultava o verdadeiro corte do investimento em 2016, dado que ainda se colocou no papel uma FBCF em 2016 de 1,9%), passando para 2.2% PIB. O que foi executado em 2017 foi 1,7% PIB. Novamente menos mil M€ que o previsto no OE, ajudando mais um ano ao “milagre”.

Depois, em 2018, nova promessa para enganar quem queria ser enganado (nesta fase já era impossível não ter percebido o “truque” do Doutor Centeno – à primeira todos caem, à segunda, terceira ou quarta só cai quem quer mesmo ser enganado): o investimento público ia ser de 2,3%. Terá ficado em 2% PIB. Para 2019, a promessa era de um crescimento de 17% em contas nacionais (os dados do 1º semestre mostram um crescimento de 6%). Em contabilidade pública, a promessa era um crescimento de 31%! Os dados de outubro mostram um crescimento de 7%.

Por outro lado, a conjuntura mais adversa prevista para os próximos anos trará mais dificuldades aos exercícios orçamentais. Isto porque consolidação orçamental dos últimos 4 anos foi feita sobretudo (apesar da bonança económica, que representou mais 13 mil M€ de receita quando se compara 2019 com 2015), por via da redução dos juros da dívida pública e dos dividendos do Banco de Portugal (BdP). Os efeitos da política monetária do BCE iniciada em 2015 representaram 2/3 da redução do défice nominal.

Basta olhar para o saldo estrutural. O défice nominal em 2015 foi de 3% e em 2019 será de um valor em torno de 0%. Sucede que, dos três p.p. de redução, 1.4 p.p. são a redução da despesa com juros (passou de 4.6% PIB em 2015 para 3.2% em 2019) e 0.6 p.p. são os dividendos do BdP. O défice estrutural reduziu-se apenas por estes 2 efeitos. O défice estrutural passou de 2% PIB em 2015 para 0.5% em 2019, mas se não considerarmos estes 2 efeitos, o défice estrutural ter-se-ia agravado nestes 4 anos.

Mas ainda mais claro nesta consolidação conjuntural e efémera é ver a evolução do saldo estrutural primário (o défice estrutural sem juros). Depois de uma forte consolidação estrutural entre 2010 e 2014 (passando de um défice estrutural primário de 5.6% PIB para um superavit estrutural primário de 3.3%), o que tivemos nos últimos 4 anos foi a manutenção de um ‘superavit’ estrutural primário em torno dos 2.5%. O que significa que a consolidação orçamental foi meramente nominal, conjuntural e que estruturalmente estamos pior.

A tabela abaixo mostra exatamente para os últimos anos estes desvios entre o que se coloca no OE e o que depois é executado. Ou seja, uma execução orçamental que acaba por ter muito mais receita fiscal que o previsto (o que significa que a revisão do PIB feita pelo INE em setembro não foi prevista mesmo pelo próprio governo que se veio vangloriar da mesma). Mas com menos despesa de juros, com o garrote das cativações sobre os serviços públicos (consumos intermédios) e muito menos investimento público.

Desvios execução orçamental face ao previsto no OE em contas nacionais (M€)

Ainda não se conhece o OE/2020, mas já se conhece o DBP (“Draft of Budgetary Plan – plano orçamental entregue a Bruxelas em 15 de outubro, e que é um dos pontos do Tratado Orçamental e da supervisão económica e orçamental da UE aos seus membros).

O que o DBP mostra é um agravamento do défice estrutural em 2020, de 0,3% para 0,5%, quando devia reduzir para 0% (o Objetivo de Médio Prazo de Portugal para o saldo estrutural é de 0%), tendo assim um desvio. Isso coloca Portugal em risco de incumprimento das regras Europeias.

Um agravamento do saldo estrutural de 0,2% não é ainda suficiente para que a Comissão possa abrir um PDE (Procedimento dos Défices Excessivos), mas fica próximo do limiar para essa abertura. Isto pelas regras europeias do ajustamento linear mínimo do saldo estrutural (MLSA). Adicionalmente é necessário continuar a reduzir a dívida pública anualmente em 5% do valor que excede os 60% PIB (o que implica em 2020 uma redução de: [(119-60)*5%=2.95%].

Em síntese, teremos um OE/2020 que no papel prometerá muita coisa: menos carga fiscal, mais investimento público, mais dinheiro para os serviços públicos e para os apoios sociais. Depois a realidade será o inverso: uma carga fiscal cada vez maior, um garrote nos serviços públicos via cativações e um investimento público muito baixo.

Se nesta conjuntura muito favorável apenas se consegue equilíbrio nominal e não estrutural, e para isso é preciso degradar os serviços públicos e colocar o investimento público em mínimos históricos, como vai ser quando a economia arrefecer e os efeitos sobre os juros e o Banco de Portugal desaparecerem?

 

Artigo de Joaquim Miranda Sarmento, porta-voz do CEN para as Finanças, publicado no jornal ECO, a 2 de dezembro de 2019