Discurso de Rui Rio no encerramento do debate sobre o Programa do XXII Governo Constitucional

31 de outubro de 2019
PSD

Senhor Presidente

Senhor Primeiro-ministro e demais membros do Governo

Senhoras e Senhores Deputados

 

A Assembleia da República termina hoje a sua apreciação do Programa do XXII Governo Constitucional.

Infelizmente, o PSD não pode deixar de lamentar que, pela primeira vez, os deputados não tenham tido um tempo razoável para ler e estudar o programa de Governo da forma como se impõe que seja feito.

É muito diferente fazer bem, de fazer depressa; até porque, como diz o povo na sua imensa sabedoria “depressa e bem há pouco quem”.

Optou este Parlamento por fazer depressa. Não entendemos a vantagem e vemos a desvantagem. A desvantagem consiste em cumprir assim-assim, quando se podia cumprir bem.

A credibilização da função de deputado de que tanto se fala, exige que procuremos fazer sempre bem ou, pelo menos, o melhor que sabemos e podemos. Lamentavelmente, contra a vontade do PSD, não se obedeceu ao bom senso que, até hoje, a Assembleia da República sempre tinha cumprido em idênticas circunstâncias.

Há, no entanto, um ponto positivo neste debate, que consiste no regresso a uma certa normalidade democrática. A normalidade decorrente do programa de Governo ser apresentado pelo Primeiro-ministro, cujo partido foi o mais votado nas eleições que justificam a sua nomeação.

Uma nomeação para chefiar um Governo que fica, contudo, com um record negativo. Um record que, eu pessoalmente, nunca gostaria de ter batido: o de ter formado o maior Governo da História de Portugal.

Com 70 membros, o novo Governo forma 6 equipas de futebol e ainda lhe sobram 4 suplentes.

Um Governo grande não é sinónimo de um grande Governo. Ao contrário do normal, neste caso, a solução adotada é pior e mais cara. Custa ainda mais impostos aos contribuintes e, muito provavelmente, servirá pior o País.

Senhor Presidente,

Mais do que no seu programa, é, acima de tudo, nas propostas de Orçamento do Estado que melhor vamos entender a realidade e as opções da ação governativa.

Neste debate em concreto há aspetos do discurso governativo bem diferentes daquilo que entendemos que o País precisa e há outros com que tenderíamos a concordar. Só que relativamente a estes últimos, olhamos para a sua execução com natural desconfiança. Com a desconfiança própria de quem assistiu aos últimos 4 anos de governação e, por isso, tende a duvidar que, a partir de agora, tudo possa ser diferente.

A nossa primeira diferença consiste, desde logo, na forte prioridade que deveria ser dada ao crescimento económico, ou seja, ao reforço da competitividade da nossa economia. Sem o fortalecimento da nossa posição externa, da nossa capacidade de penetração nos mercados internacionais com bens de maior valor acrescentado, Portugal nunca conseguirá elevar a qualidade dos seus empregos e o nível dos seus salários para o patamar da média comunitária.

Impunha-se que o Governo elegesse as pequenas e médias empresas como alvo privilegiado das políticas públicas com impacto na economia.

Apoiar as PMEs na sua modernização, na sua internacionalização, no reforço dos seus capitais próprios ou no alívio da carga fiscal que suportam, têm de ser elementos primeiros para abrir o caminho que o País tem de prosseguir.

Independentemente das palavras - que o vento e o tempo consigo levam – são, historicamente, poucos os créditos da governação socialista nesta matéria.

Assim sendo, a probabilidade de que Portugal possa, de forma relativamente rápida, ter um nível de vida coincidente com a média comunitária, só poderá existir na mesma medida em que existe a probabilidade de se acertar na lotaria do Natal.

No setor primário da economia, com uma idade média dos agricultores portugueses em torno dos 65 anos, é de vital importância uma política muito firme e muito consistente de captação de jovens.

Sem eles, a agricultura portuguesa não tem qualquer futuro. Sem eles, o interior ficará ainda mais abandonado e o País mais débil e mais pobre.

Infelizmente, a opção do Governo foi ao contrário. Foi a de desvalorizar por completo o Ministério da Agricultura.

No setor da Justiça, onde as carências abundam e onde a eficácia não existe - após uma legislatura marcada essencialmente pela injustiça relativa do aumento dos salários dos magistrados - a esperança de podermos caminhar para uma Justiça mais célere, mais transparente e mais eficaz parece ter de ser guardada no fundo do baú à espera de melhor oportunidade.

Não só a titular da pasta permanece em funções e, por isso, nada de muito diferente haverá a esperar, como a vontade política que transparece do Governo e do PS é, claramente, a de nada de arrojado procurar fazer, numa área onde o arrojo e a coragem terão de ser elementos nucleares para a mudança.

Reconheço pessoalmente a valia do novo Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, mas temo que rapidamente ele se vai aperceber que entrou num comboio a carvão e com paragem em todos os apeadeiros.

Entretanto, os Tribunais Administrativos e Fiscais continuam a demorar longos anos a decidir, os truques processuais continuam a imperar, os Juízos de Execução e de Comércio a arrastarem-se penosamente para desespero dos credores, os tribunais a funcionarem sem condições, as investigações criminais a serem partilhadas na praça pública para gaudio dos adversários dos direitos humanos e desalento dos democratas e o corporativismo a imperar no setor.

Na Saúde, o Governo promete agora tudo fazer.

É uma área do programa onde até poderíamos ter pontos de concordância, já que o Executivo promete fazer tudo aquilo que não só não fez, como deixou que se degradasse para patamares nunca antes imaginados. Só que a nossa desconfiança sobre a capacidade do PS para fazer exatamente o contrário do que fez até aqui, é mais do que sustentada.

Temos poucas esperanças de que esta governação consiga impor critérios de gestão mais apurados nas unidades de saúde, um melhor combate ao desperdício que existe no setor, uma redução substancial das listas de espera para consultas e cirurgias ou um grande alargamento do número de portugueses com médico de família.

Os serviços públicos em geral, e a saúde em particular, são as nódoas mais escuras da governação socialista.

As palavras doces que este programa contém chocam com a realidade de 4 negros anos de degradação dos nossos serviços públicos.

O povo português deu ao PS uma oportunidade renovada para conseguir fazer melhor e deu ao PSD um mandato inequívoco para, como maior partido da oposição, não transigir com a denúncia das falhas governativas.

É isso que iremos fazer relativamente à governação em geral, mas com uma particular atenção no que concerne à qualidade dos serviços públicos que o PS tanto degradou.

No ambiente estaremos todos de acordo quanto à necessidade de combater o aquecimento global e caminhar aceleradamente para a neutralidade carbónica.

Não é aí que provavelmente existirão grandes diferenças quanto aos objetivos pretendidos, mas o mesmo não se pode dizer, quando ouvimos as preocupantes notícias sobre a forma como tem vindo a ser gerido o negócio da extração de lítio no norte do País. Impõe-se que esta matéria seja devidamente clarificada, porquanto não se entende a dualidade de critérios no que toca à exigência dos estudos de impacto ambiental, nem se percebe como é que se concedem direitos a uma empresa com 3 dias de existência e um capital social mínimo para tão avultado negócio.

O Grupo Parlamentar do PSD não vai deixar este enigma por desvendar, pois entendemos que cabe ao Parlamento esclarecer politicamente este negócio que, no mínimo, levanta seriíssimas dúvidas quanto à sua transparência.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados

Como disse, será em sede de Orçamentos do Estado que melhor se aferirá o caminho que esta governação tomará.

No entanto, se olharmos para a anterior Legislatura e para o texto do presente programa, dificilmente poderemos esperar coisa muito melhor … até porque o que os Orçamentos terão de ter que este programa não precisa de consagrar, são as exigências que a anunciada noiva fará para aceitar o casamento orçamental.

Seja num simples namoro ocasional de apenas um ou dois anos, numa união de facto mais ou menos assumida ou num casamento sólido e duradoiro, em qualquer das circunstâncias o enxoval por que o Governo tanto anseia, terá necessariamente de ter como contrapartida a felicidade desta exigente noiva.

Uma nubente cara que, seguramente, exigirá do seu companheiro socialista alguma ginástica financeira com o magro rendimento de que dispõe, agora que já não viveremos tempos de grande euforia económica.

É neste enquadramento, que dificilmente poderemos ver melhorada, não só a capacidade e a vontade para fazer reformas no sentido certo, como também a redução substancial da pressão fiscal sobre os portugueses ou a capacidade de controlo da despesa pública sem ser por recurso a abundantes e cegas cativações.

Vemos como particularmente difícil que um Governo sustentado no Parlamento por partidos de ideologia comunista, consiga olhar para os empresários como agentes criadores de emprego e de riqueza, fugindo à lógica dos seus pares, que sempre os tendem a ver como os detentores do capital que oprime a classe operária e alimenta a luta de classes.

Senhor Presidente

De acordo com o que sempre tenho dito e praticado, o PSD cumprirá com sentido de Estado a sua função de principal partido da oposição.

Colaboraremos em tudo aquilo que for positivo para o País.

Denunciaremos o que estiver a ser mal executado ou esquecido.

Opor-nos-emos a tudo o que, na nossa ótica, possa não servir os interesses de Portugal.

Não estaremos aqui para destruir, nem para criticar tudo o que os outros possam fazer. A política do “bota-abaixo” carece de inteligência e é própria de quem não se move pelo interesse público, mas sim pelo seu interesse individual ou partidário.

O PSD move-se pelo interesse nacional. Por isso, obedeceremos sempre à razão e enfrentaremos sempre a realidade com coragem e verdade. São elas que nos devem nortear na ação política.

Seremos, pois, em obediência ao mandato que o povo nos conferiu uma oposição construtiva - mas dura, incisiva e implacável para com as falhas da governação. Porque é assim que honramos o nosso mandato e que melhor servimos Portugal.

 

Rui Rio

31 outubro 2019

 

*prevalece a versão proferida na Assembleia da República