Jorge Moreira da Silva no Debate do Orçamento do Estado para 2015

31 de outubro de 2014
PSD

Intervenção do Ministro do
Ambiente, Ordenamento do Território e Energia no Debate do Orçamento do Estado para 2015:


«Senhora Presidente,

Senhores Deputados,

Quando todos reclamam crescimento e emprego, é hora de
afirmar que nem todos os caminhos e nem todas as estratégias são sustentáveis.
Por muito que isso custe àqueles que não aprenderam com as lições do passado ou
àqueles que ficaram presos num passado ainda mais remoto, a nossa estratégia
para o crescimento e emprego não admite equívocos.

O equívoco do crescimento baseado no endividamento externo,
na irresponsabilidade orçamental e no apoio dirigido a campeões nacionais e às
empresas do regime.

O equívoco de acreditarmos que o crescimento depende
essencialmente do contexto europeu, ou do acaso ou de um único investimento
estruturante.

O equívoco de confundirmos competitividade com anacronismo,
promovendo modelos assentes na poluição e na degradação de recursos naturais.

Ou, o equívoco, de considerarmos que os únicos défices e as
únicas dívidas são os orçamentais, olvidando a importância da superação de
outros défices estruturais, quase crónicos, que nos impedem de crescer
sustentavelmente.

 O que está, por isso,
em causa, não é o desejo de crescimento e de emprego. O que se exige – tanto ao
Governo como à oposição - é a capacidade de liderar reformas que assegurem a
sustentabilidade económica, financeira, ambiental e social do crescimento.

É preciso fazer escolhas e os Portugueses têm o direito de
conhecer a visão para o crescimento sustentável de todos os Partidos e
protagonistas políticos, porque é dessa sustentabilidade que depende a
confiança e a esperança no futuro.

Os Portugueses conhecem a nossa visão, a nossa ambição e o
nosso sentido reformista em prol do crescimento sustentável.

Os Portugueses sabem que essa visão tem dado resultados.
Resgatámos a nossa autonomia orçamental e a capacidade para formular outras
escolhas políticas, cumprimos as metas orçamentais e relançámos o crescimento e
o emprego. Portugal está a crescer em 2014 e crescerá ainda mais em 2015.

Mas, Senhora Presidente e Senhores Deputados, não basta
conhecer a nossa visão. É, em especial, importante conhecer a visão daqueles
que, tendo sequestrado o país no défice e na dívida, estiveram ausentes na fase
de resgate – não reconhecendo os erros, nem os resultados – e que agora, na
fase de desenvolvimento e crescimento, 
permanecem imóveis num mundo em mudança e num país que merece
alternativas e propostas.

O que representa, para o PS, o pós-troika? Regresso à casa
partida, isto é, ao passado, como se evidenciou neste debate?

Para nós, uma estratégia pós-troika implica responsabilidade
orçamental, reformas estruturais e um quadro de investimento seletivo e
produtivo em áreas estratégicas, como o conhecimento, a política industrial e a
economia verde.

É, portanto, neste contexto que temos afirmado a importância
do crescimento verde, por três razões principais:

Em primeiro lugar, porque temos de agir perante o
agravamento dos sinais globais de crise climática, de degradação e escassez de
recursos hídricos e de perda de biodiversidade. Prevê-se que o efeito
demográfico conduza, até 2030, ao aumento do consumo de energia em 45%, do
consumo de água em 30% e do consumo de alimentos em 50%. Este não é um problema
dos outros. É um problema de todos. Sendo que, no nosso caso, a urgência é
ainda mais evidente. Os últimos estudos estimam que  Portugal seja substancialmente mais afetado
do que a média europeia pelas consequências das alterações climáticas,
nomeadamente, nos recursos hídricos e no litoral.

 

Em segundo lugar, porque urge superar a situação paradoxal
em que nos encontrámos há décadas, combinando, na área do ambiente e energia,
elevado potencial de talentos, recursos e infraestruturas, mas, apesar da
evolução e de muitas reformas, significativos problemas estruturais.

 

Em terceiro lugar, porque devemos tirar partido das
oportunidades económicas e de geração de emprego associados ao crescimento
verde. A economia verde já representa, globalmente, 4 biliões de euros,
crescendo 4% ao ano. Portugal tem todas as condições para beneficiar deste
fortíssimo aumento da procura de bens e serviços verdes à escala global, para
gerar atividades económicas e criar 
emprego. Temos, na economia verde, todas as condições para competir e
vencer à escala global.

 

 

Senhora Presidente e Senhores Deputados,

Mas o futuro não se faz de uma narrativa nostálgica ou, pelo
contrário, voluntarista sobre o nosso potencial e sobre os nossos
constrangimentos. Governar é reformar e, por isso, permitam-me que destaque
algumas reformas estruturais que temos vindo a fazer e algumas que terão forte
incidência prática em 2015:

Começo naturalmente pela reforma da fiscalidade verde. Esta
reforma fiscal que, pela primeira vez, aborda transversalmente todos os setores
e todos os recursos, e que, também pela primeira vez, avalia os impactos das
opções tomadas, procura reduzir a dependência energética do exterior, induzir
padrões de produção e de consumo mais sustentáveis, reforçando a liberdade e
responsabilidade dos cidadãos e das empresas e melhorar a eficiência na
utilização de recursos.

Ora, lamento constatar que, nestes dois dias de debate, nem
todos os que opinaram leram a reforma e os sucessivos relatórios e avaliações
de impacte produzidos pela Comissão durante dez meses.

É pena porque, deste modo, o debate facilmente resvala para
a demagogia e perde objetividade. Aliás, por momentos, tive mesmo necessidade
de redobrar a atenção para ter a certeza de que me não enganava quando concluía
que eram, precisamente, os mesmos senhores deputados que criticaram o Governo
por não ser mais exigente contra os grandes interesses e contra as grandes
empresas da energia, que, a propósito da fiscalidade verde, pasme-se, repetiam
os mesmos argumentos apresentados nos últimos dias pelos líderes dessas
empresas e pelas associações que os representam.

Quem ouve algumas intervenções, fica com a ideia que, para
alguns partidos, perdermos 40% da água que distribuímos, depositarmos 50% dos
resíduos em aterro, consumirmos 466 sacos plásticos por habitante por ano,
importarmos todos os anos 7000 a 10000 milhões de euros de petróleo, exibirmos
elevadíssimas intensidade energética e intensidade dos transportes no PIB, não
são fatores de preocupação e de insustentabilidade económica. De facto,
verdadeiramente, para muitos, e aqui também reside a ironia, a vida termina no
défice orçamental e no PIB e ainda não se aperceberam que não cresceremos,
duradoira e sustentadamente, se não resolvermos a nossa ineficiência na
utilização de recursos e a nossa dependência energética do exterior.

Senhores deputados, o objetivo da reforma não é aumentar
impostos. Nunca foi. A neutralidade fiscal nunca foi uma hipótese. Foi um
pressuposto. Um pressuposto que se verificou, na prática. 

Sem a garantia de neutralidade fiscal – isto é, de
utilização da receita da fiscalidade verde para desagravar outros impostos -
não haveria reforma da fiscalidade verde.

Por outro lado, os outros 
pressupostos também foram cumpridos. A fiscalidade verde é amiga do
crescimento e do emprego. Isso está comprovado na avaliação de impacto da reforma.

E se é verdade que, na reforma da fiscalidade verde, se
avança para uma taxa do carbono sobre os sectores não incluídos no comércio de
emissões, para o aumento das taxas de ISV em função das emissões de CO2 e para
a tributação dos sacos plásticos leves, não é menos verdade que se lançam
incentivos aos carros elétricos, híbridos plug-in e veículos a gás natural
veicular, que se reforça o apoio a projetos de conservação da natureza e de
produção florestal e que se assegura um método mais justo de atribuição da
receita da derrama das empresas atendendo ao seu impacto no território.

Sendo que é a fiscalidade verde que, em 2015, financiará,
com cerca de 150 milhões de euros, o desagravamento do IRS, no âmbito do
quociente familiar.

Acaso prefeririam, os críticos da fiscalidade verde que, na
ausência desta, os portugueses não pudessem beneficiar dos efeitos da alteração
do quociente familiar? Querem assumir essa responsabilidade? Muito bem. Mas
digam-no frontalmente. Descida do IRS, pela fiscalidade verde? Ou nada?

Estou certo que os Portugueses preferem que se penalize mais
o que se polui e degrada, para se poder desagravar o trabalho e as famílias.

Mas esta não é uma reforma projetada apenas para 2015, e por
isso é apresentada num diploma autónomo ao próprio Orçamento de Estado.

A neutralidade fiscal terá de ser concretizada todos os anos
e defendemos que, de futuro, a estratégia de reciclagem da receita gerada a
partir da fiscalidade verde, deverá contribuir não apenas, como em 2015, para o
desagravamento dos impostos sobre o rendimento do trabalho e das famílias, mas
também, como analisou a Comissão de Reforma, para a atribuição de créditos
fiscais às empresas em investimentos em eficiência energética.

Espero, obviamente, que seja ainda possível contar com os
contributos da oposição para esta reforma estrutural.

 

Senhora Presidente e Senhores Deputados,

Não tendo tempo para, com detalhe, percorrer todas as
reformas que temos vindo a lançar, discutir, aprovar e concretizar, no setor
dos resíduos, das águas, do ordenamento do território, do litoral, da
reabilitação urbana, do arrendamento urbano e do arrendamento social, da
conservação da natureza e da eliminação de passivos ambientais,  quero aproveitar esta ocasião para destacar o
nosso trabalho na área da energia e das alterações climáticas onde conseguimos
demonstrar que é possível compatibilizar sustentabilidade e competitividade.

No setor elétrico, depois de herdarmos uma mochila de dívida
tarifária e de novas responsabilidades que se vão concretizando ao ritmo da
entrada em funcionamento de projetos decididos no passado e que nos levariam ao
valor incomportável de 6 mil milhões de euros de dívida em 2020, avançámos com
dois pacotes de redução das rendas excessívas em 3400 milhões de euros. Desta
forma, evitámos aumentos das tarifas de 12% em 2013 e 14% em 2014, e
assegurámos, a sustentabilidade do setor até 2020, traduzida em défices anuais
decrescentes, passando mesmo, entre 2015 e 2016, a uma situação de superavit.

Adicionalmente, aplicámos em 2014 - e o mesmo acontecerá em
2015 - uma contribuição extraordinária sobre o setor energético de 150 milhões
de euros.

Mas fomos mais longe e, em Maio, apresentámos um terceiro
pacote de cortes no setor da energia, desta vez alargado a todo o setor da
energia e não apenas da eletricidade, merecendo destaque:

-              a
publicação, prevista para o próximo mês, pela Entidade Nacional de Mercado de
Combustíveis, de preços de referência para os combustíveis líquidos e para o
gás propano e butano de botija;

-              o
alargamento da tarifa social de 60 mil para 500 mil famílias, que, conjugado
com o apoio social extraordinário (ASECE), reduzirá em 34% as tarifas de
eletricidade a cerca de 1,5 milhões de consumidores socialmente mais
vulneráveis, financiado, mais uma vez, por um corte adicional de 25 milhões de
euros nas empresas do setor elétrico;

-              a
introdução de combustíveis low cost, cuja legislação já foi aprovada pelo
Governo, encontrando-se em debate neste Parlamento, consagrando a liberdade de
escolha dos consumidores;

-              e, finalmente,
a partilha, com os consumidores, dos benefícios resultantes da revenda para o
exterior, do gás oriundo dos contratos take or pay celebrados com a Argélia e a
Nigéria, o que permitirá reduzir os custos sobre as empresas e sobre as
famílias, matéria sobre a qual temos estado a trabalhar.

 

Mas a nossa ação na área da energia tem consolidado também a
aposta nas energias renováveis, na eficiência energética e na mobilidade
elétrica.

Portugal foi considerado, em 2013, o terceiro melhor país do
mundo em política para as alterações climáticas e atingimos em 2013 quase 60%
de eletricidade renovável.  O nosso
perfil energético está a mudar. Atingimos, em 2013, o nível mais baixo, das
últimas duas, décadas de dependência energética do exterior: 71,5%, que compara
com 90% em 2005.

Provámos - e isso tem sido alvo de reconhecimento
internacional, por comparação com outros países -  que é possível cortar nos custos energéticos
e prosseguir a aposta de vários governos nas energias renováveis.

Ora, o cidadão tem de estar no centro das políticas de
energia. Por isso aprovámos, recentemente, o regime do autoconsumo de energia
de modo a que, sem onerar os outros consumidores, cada cidadão possa produzir,
em casa, a energia de que necessita.

Como aprovámos também o regime que habilita e promove o
carregamento dos veículos elétricos em casa e nos locais de trabalho e não
apenas na rede pública sobre a qual, alias, passará a vigorar a regra da
concorrência.

 

Neste contexto foi fundamental o acordo alcançado, em
Bruxelas, na passada semana, sobre a política de clima e energia para 2030 que
não só fixou objetivos para CO2, renováveis e eficiência energética, como, por
iniciativa e exigência do governo português, incluiu, ao contrário do pacote
para 2020, objetivos de interligações energéticas.

Resgatámos a meta falhada, desde 2002, de 10% de
interligações e fixámos uma meta de 15% de interligações para 2030.

Beneficiaremos, finalmente, do mercado europeu da energia
para reduzir custos aos consumidores e para exportar energia, atraindo
projetos, investimento e gerando emprego.

 

Senhora Presidente e Senhores Deputados,

Concluo, renovando o convite para um Compromisso para o
Crescimento Verde. Nesse documento, apresentado em Setembro, e que inclui a
reforma da fiscalidade verde, estabelecemos metas e iniciativas, para 2020 e
2030, numa dezena de setores.

Ninguém deseja uma falsa planície ideológica ou um repentino
exercício de consensos e de convergências que não atendam à chave de leitura
programática dos diferentes partidos políticos.

Mas existem seguramente matérias, nomeadamente na área da
economia verde, relativamente às quais é desejável, é indispensável e é
possível gerar soluções políticas que transcendam o horizonte do curto-prazo e
que confiram estabilidade e previsibilidade às exigentes reformas estruturais.

Nós fizemos a nossa parte. Assumimos o crescimento verde
como uma prioridade, apresentámos uma proposta de estratégia e uma verdadeira
reforma fiscal e demonstramos abertura e interesse no diálogo.

E agora, senhores deputados do Partido Socialista? Será um
ato eleitoral previsto para daqui a um ano uma desculpa convincente para fugir
ao diálogo?

Julgo que não. Mas os Portugueses ajuizarão».


Assembleia da República, 31 de outubro de 2014