Joaquim Miranda Sarmento: Uma linha (errada) para Lisboa

10 de fevereiro de 2020
PSD

Artigo de Joaquim Miranda Sarmento, publicado no jornal ECO, a 10 de fevereiro de 2020

 

O OE não deveria conter normas que não dizem diretamente respeito ao respetivo exercício, mas a prática não tem sido essa. Mas a linha circular do Metro é um mau projeto para Lisboa e para o país.

Na semana passada, na discussão e votação final do OE2020, foi aprovado pelo Parlamento uma resolução que suspende a construção da nova linha metro de Lisboa, que liga o Rato ao Cais do Sodré. Essa linha, que passa pelo Rato-Estrela-Santos-Cais do Sodré, permite fazer uma linha circular em Lisboa. A imagem abaixo mostra a atual rede e a nova rede, com o que é pretendido, que é deixar de haver uma ligação direta entre Loures e o Rato, para passar a haver uma linha circular.

Rede atual

Linha circular

Ora, há aqui dois planos que merecem reflexão:

  1. Deveria o Parlamento ter tomado esta decisão, ou seja, por princípio, deve o Parlamento, em sede de OE, tomar este tipo de decisões?
  2. Este projeto faz sentido, quer para a mobilidade de Lisboa, quer o projeto em si mesmo?

Vamos ao primeiro ponto. De facto, o OE não deveria conter normas que não dizem diretamente respeito ao exercício orçamental. Aquilo a que em Finanças Públicas chamamos de “cavaleiros orçamentais”. Creio mesmo que até as alterações fiscais, aos impostos, que não sejam o mero atualizar de escalões à taxa de inflação (mas sim medidas que impliquem alterações no funcionamento e nas normas do imposto), não deveriam ser feitas em sede de OE.

Mas a prática do Parlamento é ao contrário. Desde há muitos anos, que me recorde, o OE de cada ano é usado, quer pelo governo, quer pelos partidos com assento Parlamentar, para incluir centenas de normas que não dizem respeito diretamente ao exercício orçamental.

E, portanto, ninguém se deve queixar que este OE teve muitas normas que, podendo ser objeto de proposta, discussão e votação no Parlamento, não o deveria ser em sede do OE.

Porque, ou os partidos se põem de acordo com uma mudança estrutural de excluir os “cavaleiros orçamentais” ou então ninguém pode fingir-se ofendido ou chocado. Mas neste caso concreto, é importante recordar três coisas:

  1. O Parlamento, em junho de 2019, já tinha aprovado uma resolução a suspender o projeto.
  2. O Governo ignorou essa decisão do Parlamento, e mesmo assim avançou com o concurso.
  3. E mais importante, neste momento existe uma “mão cheia de nada”, porque o concurso ficou vazio. Nenhuma grande empresa de obras públicas quis licitar o projeto, sobretudo por aquele valor.

Relativamente ao segundo ponto, o projeto é um mau projeto para Lisboa e para o país. E creio ser um mau projeto por quatro razões principais:

  • Primeiro, porque do ponto de vista da mobilidade de Lisboa não é uma boa opção. Isto é a continuação, quase a papel químico, de um mau plano de 2009, sem estudos robustos que fundamentem a escolha. Corta a linha amarela. Obriga quem vem de Loures/Odivelas a um transbordo no Campo Grande.
  • Segundo, para aumentar a frequência do metro, para garantir transbordos da linha de Cascais para o eixo central Marques-Saldanha, para fazer a ligação ao interface Roma-Areeiro e Entrecampos, a linha circular não é imprescindível. Pelo contrário, a melhor alternativa, quer de mobilidade, quer do ponto de vista de solução de construção, afigura-se ser a ligação Rato-Campo de Ourique-Alcântara. É verdade que a linha é mais longa, mas dificilmente custaria mais, dado que, como veremos no ponto seguinte, a complexidade de construção da linha circular é muito elevada. Por outro lado, se o objetivo da linha circular é servir as pessoas da linha de Cascais, então a solução em Alcântara descongestionava a estação do Cais do Sodré. Quem vier de Cascais e quiser ir para o eixo Baixa-Marquês, continuaria a usar a estação do Cais do Sodré e depois a linha azul. Quem quisesse ir para o eixo das Avenidas Novas, sairia em Alcântara. Mas a solução Rato-Campo de Ourique-Alcântara permitiria servir de metro as Amoreiras, Campo de Ourique e Alcântara, 3 zonas muito urbanizadas e no caso das Amoreiras, com um elevado fluxo de pessoas que aí trabalham. Isto tudo, sem cortar a linha amarela.
  • Terceiro, o risco geológico é muito elevado. Toda a colina da calçada da Estrela está assente na biblioteca do ISEG e no paredão da rua Miguel Lupi. Quando em 1994 o ISEG construiu o seu edifício das Francesinhas 1, a Rua Miguel Lupi esteve em perigo de abater, “apenas” porque o edifício estava a escavar na saliência entre a Rua Miguel Lupi e a Rua das Francesinhas. Como é que se vai construir um túnel de metro, a uma profundidade enorme, numa zona da cidade que é muito frágil?
  • Por último, o custo exorbitante. A linha custará, no mínimo, 210 M€ para 1.5 km. Isso é quase o triplo do preço por km daquilo que tem sido feito em Lisboa. Mas além do risco elevado de derrapagem de custos, dado o risco de construção, temos ainda obras massivas nos viadutos do Campo Grande, para alinhar a linha do metro. Sobre o risco de derrapagem recorde-se a construção do metro no Terreiro do Paço-Santa Apolónia. A obra custou mais 100% (o dobro) que o inicialmente previsto. A prova que os 210 M€ não chegam é que o concurso ficou deserto. Nenhuma empresa de obras públicas está disponível para fazer aquela obra por aquele preço.

Com estes 210 M€ seria possível melhorar substancialmente a ligação à periferia (eixo Oeiras-Cascais; eixo Amadora-Sintra; eixo Loures-Odivelas; eixo Sacavém-Alverca). Contudo, na maioria dos casos, na ligação à periferia não faz sentido fazê-lo por metro. Faz muito mais sentido usar o metro de superfície (como no caso da margem sul – MST) ou usar BRT “Bus Rapid Traffic”. Isso teria muito mais impacto na mobilidade da área urbana de Lisboa do que a linha circular.

Basta pensar que se quer melhorar a acessibilidade de quem vem de Oeiras/Cascais, mas não se investe na linha de comboio, que está em risco de colapso e que tem níveis de serviço péssimos. A questão da não melhoria da linha de Cascais mostra como o interesse na linha circular de metro não é para servir as pessoas de Oeiras/Cascais. Mostra sim que toda a ação do presidente da Câmara Municipal de Lisboa e do governo é exclusivamente para o eixo central de Lisboa, basta ver o plano apresentado para a Baixa.

Mas mais grave é o que se passou, quer neste caso da linha circular, quer noutros casos que têm envolvido Lisboa. Não é aceitável o “spin” que o Governo fez, de ataque, dizendo que se perderia fundos comunitários, quando, como vimos, o concurso não se realizou por falta de concorrentes, e portanto, não existe ainda qualquer obra.

Também não é aceitável tudo o que se tem passado em torno de Lisboa. A forma como o Governo mudou a lei das PPP para permitir os projetos de habitação de Lisboa, depois do chumbo do Tribunal de Contas. Ou como, depois de um relatório do Tribunal de Contas que mostrou que a segurança social vendeu casas à Câmara Municipal de Lisboa abaixo do preço de mercado, o Presidente da CML reagiu, atacando o Tribunal de Contas e a sua independência.

O que o Dr. Medina tem de perceber são quatro coisas relativamente simples:

  1. O Dr. Medina não manda de forma absoluta no que quer. A forma como tem apresentado os projetos (como agora na Baixa) e como decide (basta pensar na saída do quartel dos bombeiros sapadores de Benfica para a expansão do hospital da Luz) mostra uma oposição fraca, mas importa que exista um controlo democrático nos paços do município.
  2. O Dr. Medina tem de perceber que as instituições serem fortes e credíveis é mais importante que uma pessoa, o seu mandato ou a sua governação. Atacar o Tribunal de Contas da forma como foi feito não contribuiu para aquilo que é o mais importante num país para ser desenvolvido e ter baixos níveis de ineficiência e corrupção, que é a qualidade institucional. Nem mudar leis por conveniência de um projeto ou uma pessoa. Mas não surpreende. Qualquer instituição que critique ou coloque em causa os desígnios socialistas é imediatamente visada. Basta pensar na forma como o Doutor Centeno e o resto do governo criticam o Conselho de Finanças Públicas e a UTAO.
  3. O Dr. Medina deveria perceber que políticas sociais se fazem com o dinheiro dos impostos, não das contribuições sociais. Estas servem para assegurar as atuais e as futuras pensões. Não deixa de ser caricato o Doutor Centeno querer retirar as contribuições para a Segurança Social do cálculo da carga fiscal, argumentando que não pagam serviços, mas sim pensões, e depois o Dr. Medina achar que é normal usar esse dinheiro para subsidiar casas em Lisboa. Além da questão de equidade. O dinheiro das pensões serve para subsidiar políticas em Lisboa, porque é que não serve para subsidiar políticas em Freixo-de-Espada à Cinta, em Cinfães, Sátão ou Gavião ou Fronteira? O que é que Lisboa tem que não tem Sernancelhe? Ou Arronches? Ou Penela? Ou….
  4. Por último, o Dr. Medina deveria perceber que Lisboa não é só os turistas e a zona central. Há toda uma outra cidade. E há as cidades em torno de Lisboa, onde vivem muitas pessoas que todos os dias se deslocam para trabalhar ou estudar em Lisboa.