Intervenção de Pedro Passos Coelho no Debate do Estado da Nação

2 de julho de 2014
PSD

[Só faz fé versão lida]

“Senhora Presidente da Assembleia da República,

Senhoras e Senhores Deputados,

Minhas senhoras e meus senhores,

Este é o primeiro debate sobre o Estado da Nação na atual
legislatura em que já não estamos sob o Programa de Assistência externa.
Recuperámos a nossa autonomia nacional depois de três anos muito difíceis em
que tivemos de agir com rapidez e persistência. O povo português mostrou, com a
sua determinação e sabedoria, que Portugal sabe resolver os problemas criados
pela política da irresponsabilidade, ainda que suportando um preço elevado.

Agora é também o momento de todos se comprometerem perante
os Portugueses de nunca mais se forçar o País a passar por uma situação de
pré-bancarrota e pelas respectivas consequências. Este é, sem dúvida, o momento
para o Governo, e a maioria que o suporta na Assembleia da República, renovarem
esse compromisso público e dizer “não” – de uma vez por todas “não” – à
política do facilitismo e da irresponsabilidade. E reforçar esse compromisso
com uma estratégia política credível e com escolhas concretas, assentes em
factos, e não em retórica; fundadas na realidade, e não em ilusões.

Sabemos qual era o ponto de partida há três anos. A situação
foi descrita por mim quando aqui apresentei o Programa do Governo. O desemprego
crescia sem freio, o défice orçamental estava descontrolado, o desequilíbrio
externo parecia impossível de conter depois de mais de 10 anos de níveis
insustentáveis, a competitividade da economia tinha sido erodida ao ponto do
desespero. Era um período de angústia social e de consternação. E também de
incerteza quanto ao futuro de cada um e do nosso País como não experimentávamos
desde a fundação da democracia. A nossa participação no euro e no projeto
europeu estava ameaçada. A confiança e a economia estavam em queda livre e a
credibilidade do País atingira o seu ponto mais baixo.

Sabíamos o que tínhamos a fazer para recuperar Portugal. E
foi o que fizemos, muitas vezes com escolhas muito difíceis mas indispensáveis.
Seguimos a nossa estratégia sem poder contar com o apoio responsável da
oposição, que preferiu apostar tudo no fracasso da resposta de emergência à
situação do País e na ruína de todas as gerações.

Hoje, fechado o Programa de Assistência, e com ele a
emergência financeira, sabemos o que temos de fazer para consolidar uma nova
fase da vida do País – uma nova fase de desenvolvimento sustentável, de maior
justiça social e de aprofundamento da democracia.

O ponto de partida hoje para essa nova fase é completamente
diferente. O crónico desequilíbrio externo passou a sólido excedente, ainda que
com flutuações naturais.

A acumulação de dívida externa ano após ano dá agora lugar a
uma economia com capacidade de se financiar e de melhorar a sua posição
externa.

O défice orçamental do Estado é menos de metade do que era,
e a reduzir-se de forma progressiva.

A pré-bancarrota, a ruptura iminente do financiamento do
Estado social e a perda de acesso aos mercados, foram substituídos pela
estabilidade financeira, pelo regresso pleno a mercado, e por reservas
suficientes para as necessidades do Estado durante quase um ano.

Uma economia sem competitividade, fechada e nebulosa, começa
a ceder o passo a uma economia mais aberta, mais flexível, mais democrática e
sem núcleos de privilégio.

O desemprego sem fim à vista vai diminuindo mês após mês,
tal como ainda ontem o EUROSTAT veio confirmar. A taxa de 14,3 por cento para o
mês de Maio corresponde a uma descida face ao ano anterior de 2,6 pontos
percentuais – com a Hungria, a maior descida da União Europeia. No desemprego
jovem, os resultados são também muito importantes. No mesmo período, o
desemprego jovem caiu 4,2 pontos percentuais, com uma aceleração da queda
precisamente no mês passado. Trata-se de sinais importantes da recuperação
económica e do acerto das nossas políticas ativas de emprego.

Mas, embora estes sejam resultados que demonstram como
estamos felizmente já muito distantes dos dias mais sombrios de 2011 e 2012,
eles não nos satisfazem. E sabemos o que temos de fazer para ir além deles –
muito além deles.

Há três anos propus aqui na Assembleia da República que
elegêssemos o crescimento como valor político e social. E também disse que isso
implicava políticas novas e uma economia mais aberta e mais democrática.

As reformas que executámos e o que ainda queremos fazer
visam um crescimento não só sustentado no tempo, mas também que possa ser
apropriado por todos os Portugueses. Isto quer dizer, um crescimento que
impulsione a mobilidade social e eleve os que estão em condições mais difíceis.
Um crescimento que reduza as assimetrias sociais. Um crescimento económico
democrático, que chegue a todos, e não se faça por um período fugaz às custas
da dívida e das gerações mais novas.

Para isso, a luta contra o desemprego ocupa a prioridade da
nossa agenda. A sociedade que queremos construir em Portugal é uma sociedade de
pleno emprego, de participação económica e cívica, e de multiplicação de
oportunidades para todos. O acesso a um bom emprego é uma medida das
oportunidades de que falo e que não podemos ignorar.

A nossa tarefa é dificultada, não apenas porque o desemprego
atingiu níveis intoleráveis na decorrência da emergência financeira de 2011,
mas também porque ao longo de muitos anos o desemprego estrutural não parou de
aumentar. Portanto, o nosso desafio não se esgota em combater o desemprego
conjuntural que a queda da economia produziu. Queremos derrotar o desemprego
que a falta de competitividade e um modelo económico anacrónico geraram. Para o
alcançarmos precisamos de fazer deste objectivo para os próximos anos um
verdadeiro compromisso nacional – um projeto de concertação nacional, que
envolva os parceiros sociais, a sociedade civil e os agentes privados. À cabeça
desse objectivo está a preocupação com o desemprego jovem. Ora, para as
empresas não há melhor investimento do que apostar nos nossos jovens. De facto,
um País e uma economia que não confiem na sua juventude estão condenados à
estagnação e ao empobrecimento. Por tudo isto, quisemos facilitar para todas as
empresas a decisão de abertura ao emprego – no licenciamento e na redução dos
custos administrativos, na reforma laboral, nos incentivos à contratação e na
aproximação da investigação e desenvolvimento ao mundo empresarial. E queremos
que essa decisão seja cada vez mais fácil e cada vez mais óbvia.

 

Um dos pilares desta sociedade de pleno emprego que queremos
construir reside nas qualificações dos Portugueses. E não me refiro apenas à
melhoria das qualificações pelo aumento da qualidade do ensino, e pela qual
temos vindo consistentemente a trabalhar. Refiro-me também às qualificações que
sejam reconhecidas todos os dias pela sociedade e pela economia. Refiro-me a
qualificações que permitam a todos os Portugueses que concluam os seus estudos
encontrar uma oportunidade no mercado de trabalho. A nossa aposta progressiva
no ensino dual, profissional e vocacional tem exatamente esse objectivo: dotar
todos os nossos jovens das capacidades de que precisam para iniciar os seus
projetos de vida com a independência e as oportunidades que desejam e merecem.
E para isso foi necessário coordenar as ofertas e metodologias de ensino com o
programa de reindustrialização e aposta nos bens transacionáveis da nossa
economia, bem como o da economia verde - que em breve apresentaremos.

Foi por isso que apostámos no ensino técnico e
profissionalizante. Foi por isso que reforçámos o ensino dual e investimos no
ensino vocacional. Mas não convertemos este tipo de ensino num parente pobre do
ensino regular. Pelo contrário, quisemos desde o início inaugurar um novo foco
de excelência na preparação dos alunos portugueses. A decisão estratégica de
envolver as empresas nesta mudança estrutural dará um novo impulso à
empregabilidade dos nossos jovens. No ano escolar que agora termina, 44,5 por
cento dos alunos do Básico e Secundário estavam inscritos no ensino
profissionalizante, o que sugere a médio prazo uma importante transformação no
nosso mercado de trabalho, e com ela mais crescimento económico e mais emprego.

Mas também no Ensino Superior introduzimos alterações muito
importantes. Criámos Cursos de Técnicos Superiores Profissionais, reservados ao
ensino superior politécnico, que terão uma estreita ligação ao tecido
empresarial regional, nomeadamente na definição dos objectivos e programas de
estudo, bem como na disponibilização de estágios de qualidade no final da
formação. Estamos a pôr em marcha um programa de empreendedorismo e incubação
de empresas para fazer fluir a transferência de tecnologia e conhecimento entre
as instituições do ensino superior, as unidades de investigação e
desenvolvimento e o mundo empresarial. Além disso, na política de ciência
quisemos abrir as perspectivas dos nossos investigadores e doutorados no
mercado de trabalho empresarial, com programas específicos e incentivos
próprios.

Queremos aprofundar todas estas dimensões do nosso ensino
público e, além disso, reunir as condições para que todos possam beneficiar, no
período imediatamente posterior à conclusão dos seus estudos – e que é um
período crucial nas suas vidas –, de uma garantia de integração no mercado de
trabalho, de aplicação dos seus conhecimentos e talentos, de participação na
economia e na sociedade de corpo inteiro.

Senhora Presidente,

Senhoras e Senhores deputados,

Precisamos de um Estado mais ágil e mais forte. Que esteja
mais ao serviço dos cidadãos e da economia. E, além disso, que seja um Estado
imparcial, acima dos interesses sectoriais e corporativos, e que represente o
País no seu todo. O Estado imparcial, que não se sujeite a ser resgatado por
este grupo ou aquele interesse, é o que melhor serve uma economia vibrante,
dinâmica e concorrencial; é o que se ajusta melhor às aspirações democráticas;
e é o que mais eficazmente exerce as suas próprias funções.

Muito já foi feito na agenda da reforma do Estado, mas
precisamos de prosseguir esta agenda reformista, de resto já delineada no documento
“Um Estado Melhor” apresentado pelo Senhor Vice-Primeiro-Ministro. A verdade é
que muitas vezes perdemos de vista tudo o que já se alcançou. Talvez porque
muito de que se fez é hoje considerado óbvio. Mas o facto é que há três anos
muitas destas mudanças eram tudo menos óbvias ou evidentes. Poderia dar
numerosos exemplos desde a regulação à Administração Central e Local.

O papel estratégico que a Justiça desempenha na
democratização da economia e da sociedade obrigam-nos a rever o muito que foi
feito precisamente como elementos fundamentais da reforma do Estado. O combate
à pendência processual, em particular no domínio da ação executiva, ou o
reforço e reestruturação do papel dos agentes de execução, são elementos
indispensáveis da reforma do Estado. Assim como são a reforma do regime da
insolvência e da recuperação de empresas; a reestruturação do mapa judiciário;
a operacionalização dos meios de resolução alternativa de litígios; ou a
criação de um processo civil mais ágil e dirigido a resolver a questão material
controvertida, que liberte os operadores judiciários de formalismos tantas
vezes inúteis. O próprio código do procedimento administrativo, que se encontra
presentemente em revisão neste Parlamento, será uma peça relevantíssima de
simplificação na relação do Estado com os particulares e de responsabilização
dos serviços públicos. Progressivamente, deixaremos a pior tradição de esperar
que sejam os cidadãos a correr atrás do Estado para que este responda e
resolva, em vez de ser a esfera pública a ir ao encontro das necessidades dos
cidadãos.

E vale a pena recordar que estas reformas têm sido feitas na
base mais consensual possível, com o envolvimento e participação dos
profissionais das áreas abrangidas.

Contudo, a política de reforma do Estado e de modernização
da Administração prossegue, como se tem observado também ao nível da
simplificação e integração dos instrumentos de ordenamento do território. Mas
queremos também aumentar o acesso e descentralizar. Queremos desburocratizar
procedimentos e digitalizar serviços.

No passado mês de Maio, o Governo aprovou um importante
pacote legislativo com medidas variadas de desburocratização, além de dinamizar
os Espaços do Cidadão e as Lojas do Cidadão. A Assembleia da República aprovou
a lei sobre a chave móvel digital. Todas estas iniciativas serão levadas a cabo
devidamente integradas numa estratégia global de reorganização dos pontos de
atendimento de serviços públicos. Assim, manteremos a presença de base
municipal em todo o território e elevaremos a qualidade da prestação dos
serviços. Isso será conseguido através da mobilização e integração efetiva dos
diferentes serviços sectoriais da Administração Central; da concertação com as
entidades locais, em particular dos municípios; da digitalização dos serviços
públicos; e da otimização do património imobiliário. É ainda parte integrante
desta estratégia global a melhoria dos transportes e da acessibilidade, em
particular nos territórios de baixa densidade, com o transporte a pedido e as
carrinhas de serviço público.

Todas estas medidas vão no mesmo sentido: tornar os serviços
do Estado mais modernos, mais próximos e mais ágeis. Eliminam tempo perdido
pelos utentes, reduzem custos para as empresas, baixam as despesas
administrativas. Ao mesmo tempo, marcam uma nova era da presença dos serviços
do Estado pelo território nacional, com a reorganização descentralizadora dos
serviços de atendimento.

Porém, o esforço de descentralização vai mais longe.
Relativamente aos serviços de educação, de saúde e de segurança social, o
Governo tem em curso um ambicioso processo de descentralização de competências
para os municípios e entidades intermunicipais. São competências que pertencem
ao Estado, mas que exercidas a uma distância excessiva dos cidadãos vêem comprometida
a sua eficácia e diligência.

Numa palavra, com este conjunto de reformas ganham os
cidadãos, ganha a economia e ganha o próprio Estado.

Muito já foi feito e muito resta por fazer. O Governo
continuará firme na prossecução da sua agenda reformista. E não abdicará dela
porque esta agenda de reforma está ao serviço 
da mudança de Portugal e do novo futuro que queremos construir. Vivemos
ainda uma situação difícil, em que muitos Portugueses enfrentam grandes dificuldades.
Mas estamos a construir as bases da sociedade mais próspera, mais justa e mais
democrática que ambicionamos. Ela está ao nosso alcance e eu não aceito que
haja patamares de desenvolvimento a que Portugal nunca acederá. Conheço os
Portugueses. Conheço a sua energia, a sua determinação e a sua criatividade.
Acredito na nossa ética de trabalho, no nosso gosto pelo desafio e na nossa
vontade de ir mais longe. São esses os nossos grandes trunfos nos desafios que
temos pela frente. Com mais liberdade, com maior qualidade nas instituições e
nas políticas públicas, os Portugueses serão os artífices de uma nova fase da
nossa história em que, daqui por 20 anos, poderemos olhar para trás e dizer:
Foi aqui que tudo começou.

Muito obrigado”


2 de julho de 2014