Intervenção de Jorge Moreira da Silva na Assembleia da República sobre Reforma da Fiscalidade Verde

27 de novembro de 2014
PSD

«Senhora Presidente,

Senhores Deputados,

Não nos enganemos. Este não é um debate sobre finanças
públicas e fiscalidade. Este não é um debate sobre política energética e
ambiental. Este é, essencialmente, um debate sobre um novo modelo de
desenvolvimento, de crescimento e de emprego.

Quem não o entender desta forma, está porventura demasiado
vinculado a uma conceção da economia e da sociedade que confunde
competitividade com anacronismo e crescimento com irresponsabilidade
orçamental.

Todos seremos avaliados pelo reformismo das soluções que
apresentarmos neste debate. Não podemos estar sempre a proclamar que há mais
vida além do défice e mais vida além da dívida e, depois, na prática,
olvidarmos a importância da superação dos outros défices estruturais, quase
crónicos, que nos impedem de crescer sustentada e sustentavelmente.

Uma verdadeira estratégia pós-troika implica
responsabilidade orçamental, reformas estruturais e um quadro de investimento
seletivo e produtivo em áreas estratégicas, como o conhecimento, a política
industrial e a economia verde. Foi neste contexto de aposta no crescimento
verde, que decidimos avançar com o processo de reforma da fiscalidade verde há
dez meses.

Em primeiro lugar, porque é necessário melhorar a eficiência
na utilização de recursos, reduzir a dependência energética do exterior e
induzir padrões de produção e de consumo mais sustentáveis, reforçando a
liberdade e responsabilidade dos cidadãos e das empresas.

É verdade que Portugal conseguiu atingir indicadores da
maior relevância no plano da sustentabilidade: 58% da nossa eletricidade provém
de fontes renováveis; apesar de ainda demasiado elevada, conseguimos reduzir a
nossa dependência energética do exterior de 90%, em 2005, para 71,5%, em 2013;
fomos considerados, em 2013, o terceiro melhor país do mundo em política
climática, de acordo com Climate Change Performance Index (CCPI); cerca de 95%
da população tem acesso a água da rede pública e 80% ao tratamento de águas
residuais.

Mas, não é menos verdade, que ainda perdemos 40% da água que
distribuímos, depositamos 50% dos resíduos em aterro, consumimos 466 sacos
plásticos por habitante por ano, importarmos todos os anos 7000 a 10000 milhões
de euros de combustíveis fósseis, exibimos elevadíssimas intensidade energética
e intensidade dos transportes no PIB.

Repito, há mais défices e mais dívidas além daqueles de
natureza financeira ou orçamental. A superação, como tem vindo a suceder, dos
problemas de natureza financeira e orçamental é condição necessária mas não
suficiente para o desenvolvimento e para o crescimento sustentáveis.

Temos de ousar e de romper com visões conservadoras que nos
acompanham há demasiado tempo. É tempo de assumir uma resposta estrutural para
problemas estruturais. Neste contexto, de ambição nos objetivos, de
estabilidade nas políticas e de previsibilidade nos investimentos, é
fundamental que todos nos empenhemos na discussão, e espero, no apoio ao
Compromisso para o Crescimento Verde que se encontra em discussão pública e que
projeta objetivos e iniciativas para o curto-prazo mas também para 2020 e 2030.

Em segundo lugar, a reforma fiscal verde insere-se num
objetivo mais abrangente de promoção de uma política fiscal mais alinhada com
os objetivos de crescimento e de emprego.

O desígnio do desagravamento futuro da carga fiscal não é
matéria de controvérsia. Todos o defendemos. E todos sabemos, ainda que nem
todos o assumam, que num quadro de cumprimento de metas orçamentais, esse
desagravamento está dependente da redução da despesa, da reforma do Estado, do
combate à evasão fiscal e do crescimento económico. Mas, existe outro debate,
para o qual o nosso sentido reformista, é mais fortemente interpelado: num
quadro de neutralidade fiscal, isto é, num cenário em que ainda não é possível
desagravar, como todos desejamos, a carga fiscal global, é ou não possível, e
até desejável, reequilibrar a carga fiscal, tributando mais o que se polui e
degrada, para tributar menos aquilo que se aufere e se produz?

Entendemos que sim, seja por razões conceptuais, que estão
aliás em linha com as recomendações de todas as organizações internacionais,
seja pela constatação de um desequilíbrio acentuado nas duas últimas décadas. O
peso relativo da fiscalidade verde, quando comparado com os outros impostos,
nomeadamente sobre o rendimento das pessoas e das empresas, tem vindo a cair.
Na década de 90, Portugal registava a 4a posição mas, em 2012, já se quedava
pela 17a posição europeia. Isto é, em 20 anos, o peso dos impostos sobre o
trabalho e sobre as empresas cresceu mais do que os impostos sobre a poluição.
Logo, é fundamental reequilibrar a carga fiscal.

Com esta motivação, o Governo avançou para uma reforma
fiscal que, pela primeira vez, não só aborda transversalmente todos os setores
e todos os recursos, como, também pela primeira vez, avalia os impactos
ambientais, económicos e sociais das opções tomadas. Não confundamos impostos e
taxas aprovadas, de modo avulso e fragmentado, ao longo de anos, com uma
reforma integral da fiscalidade verde.

Senhores deputados, repito aquilo que vezes sem conta tenho
dito: a fiscalidade verde não aumenta impostos; substitui impostos. A
neutralidade fiscal nunca foi uma mera hipótese. Foi sempre um pressuposto. Um
pressuposto que se verificou, na prática. 

Sem a garantia de neutralidade fiscal – isto é, de
utilização da receita da fiscalidade verde para desagravar outros impostos -
não haveria reforma da fiscalidade verde.

Por outro lado, os outros pressupostos também foram
cumpridos. A fiscalidade verde é amiga do crescimento e do emprego. Isso está
comprovado na avaliação de impacto da reforma.

E se é verdade que, na reforma da fiscalidade verde, se
avança para uma taxa do carbono sobre os sectores não incluídos no comércio de
emissões, para o aumento das taxas de ISV em função das emissões de CO2 nos
veículos, para a tributação dos sacos plásticos leves, para a penalização da
deposição de resíduos em aterro, não é menos verdade que se lançam incentivos
aos veículos elétricos, híbridos plug-in e movidos a gás natural veicular, que
se reforça o apoio a projetos de conservação da natureza e de produção
florestal e que se assegura um método mais justo de atribuição da receita da
derrama das empresas atendendo ao seu impacto no território.

Em 2015, a receita gerada de 165 milhões de euros com as
medidas da fiscalidade verde será alocada, no montante de 17,5 milhões de
euros, a benefícios e incentivos à mobilidade sustentável, à gestão florestal e
à conservação da natureza e o valor remanescente, de 148 milhões de euros,
financiará, na prática, o desagravamento do IRS, no âmbito do quociente
familiar.

Deixem-me dizê-lo de uma forma clara, por muito que isso
seja uma verdade muito inconveniente para a oposição: sem a fiscalidade verde
as famílias portuguesas não poderiam beneficiar, já em 2015, dos efeitos da
alteração do quociente familiar.

É importante que a mesma oposição que se opõe à fiscalidade
verde explique aos portugueses que, se governasse ou se dispusesse de maioria
parlamentar, uma de duas coisas sucederia: ou não haveria descida do IRS ou,
havendo, não seria cumprido o objetivo do défice para 2015.

Estou certo que os Portugueses preferem que se penalize mais
o que se polui e degrada, para se poder desagravar o trabalho e as famílias.

Mas esta não é uma reforma projetada apenas para 2015, e por
isso é apresentada num diploma autónomo ao próprio Orçamento de Estado.

A neutralidade fiscal terá de ser concretizada todos os
anos. De futuro, a estratégia anual de reciclagem da receita gerada a partir da
fiscalidade verde, deverá contribuir não apenas, como em 2015, para o desagravamento
dos impostos sobre o rendimento do trabalho e das famílias, mas também, como
analisou a Comissão de Reforma, para a atribuição de créditos fiscais às
empresas em investimentos em eficiência energética.

 

Senhora Presidente e Senhores Deputados,

Nós fizemos a nossa parte. Assumimos o crescimento verde
como uma prioridade, apresentámos uma proposta de estratégia, que se encontra
em discussão pública, assim como uma verdadeira reforma fiscal. Estudámos as
hipóteses, avaliámos o impacto, envolvemos todos os interessados e demonstrámos
abertura e interesse no diálogo.

Resta-nos esperar que um ato eleitoral previsto para daqui a
um ano não sirva de desculpa para fugir ao diálogo e a um compromisso
abrangente.

Disse».


26 de Novembro de 2014