José Cancela Moura: Turbulência

1 de julho de 2020
PSD

Uma das imagens que retemos desta crise pandémica é a dos aviões parqueados nas plataformas de estacionamento dos aeroportos. Num espaço global de mais de 3 mil milhões de pessoas confinadas e de fronteiras fechadas, as infraestruturas aeroportuárias ficaram vazias de passageiros, sem descolagens, nem aterragens. Esta paragem forçada das frotas terá um forte impacto na tesouraria das companhias e, até chegar uma vacina, serão os estados a restaurar a confiança e a salvar as companhias aéreas.

O novo coronavírus arrasou o setor da aviação. A Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), que representa 290 companhias, estima perdas na ordem dos 74 mil milhões de euros, no exercício de 2020, e mais de 13 mil milhões de euros, em 2021, para as transportadoras aéreas. Uma devastação que atinge também a companhia aérea portuguesa que, só no primeiro trimestre do ano, ou seja, um período que abrange apenas 15 dias de pandemia, registou 395 milhões de euros de prejuízos. No período homólogo, em 2019, a TAP tivera um resultado líquido negativo de 106,6 milhões de euros, perdas que confirmam que a empresa já estava doente e atravessava sérias dificuldades antes da covid-19. A dívida total da empresa ascende a 3,3 mil milhões de euros.

Com 10 mil trabalhadores e um contributo para a riqueza nacional na ordem dos 2% do PIB – a empresa paga 300 milhões de euros em contribuições e impostos – a TAP é uma empresa imprescindível para Portugal.

Mas não podemos aceitar que o Estado se limite a passar um cheque em branco à empresa. Nas últimas semanas, foi anunciado o apoio do Estado português à companhia, aprovado pela Comissão Europeia. Mas infelizmente, teme-se que os 1,2 mil milhões de euros, nem tenham retorno, nem sejam suficientes para salvar a TAP.

Não podemos consentir que a TAP se torne noutro buraco financeiro, com o ónus para os contribuintes que, cansados do desastre do resgate de instituições bancárias, teriam de responder, outra vez, pela má gestão de uma empresa que, ao longo de sete décadas, viveu múltiplas contrariedades e uma única certeza. Foi sempre o Estado que arcou com os prejuízos.

Não podemos admitir a reconfiguração da participação do Estado na companhia, sem um plano de negócios que garanta a sustentabilidade da empresa. O plano de rotas inicialmente proposto, concentrando praticamente todos os voos em Lisboa, com apenas três rotas a partir do Aeroporto Francisco Sá Carneiro, constituiu erro clamoroso, uma provocação regional e uma ameaça à coesão territorial. A viabilização da TAP deverá assentar necessariamente no interesse nacional, afastando a tentação centralista que já tantas outras vezes privilegiou a capital, em detrimento da região Norte, do Algarve e das autonomias regionais dos Açores e da Madeira.

Qualquer que venha a ser o novo modelo de governança da companhia, é preciso que tenhamos a noção de que tão cedo a empresa não vai transportar os 17 milhões de passageiros que voaram na companhia em 2019, 4 milhões dos quais eram turistas.

Serão necessários uma estratégia e um plano de negócios. A TAP é a única companhia na União Europeia que não recebeu ainda apoio do Estado, pelos danos provocados pela pandemia, situação que dura há quase três meses, e está obrigada a reestruturar-se.

Face ao cenário da nacionalização, e como demonstra a trágica gestão da SATA, também esta um sorvedouro de dinheiros públicos, o Estado já deu provas de que é incapaz de gerir companhias áreas. Estamos a falar de um setor muito competitivo e muito volátil, como provam as circunstâncias. Não foi uma guerra, nem uma crise económica, nem tão pouco uma flutuação repentina da cotação das matérias-primas, mas uma pandemia que deixou o setor da aviação comercial de rastos e, no caso, expôs todas as debilidades estruturais da TAP.

Para já, apertem os cintos. Este voo vai ser longo, terá muita turbulência e implicará o escrutínio rigoroso dos impostos dos contribuintes. Mas os poços de ar de uma companhia não se tapam com rios de dinheiro. A companhia de bandeira não pode tornar-se na companhia da bandalheira. Com ou sem nacionalização. Com ou sem aumento de capital.

Artigo publicado originalmente no Povo Livre