Discurso do Primeiro-Ministro no debate da Moção de Censura, no Parlamento

3 de abril de 2013
PSD

Assembleia da República, 03 de Abril de 2013

(só faz fé versão lida)


«Senhora Presidente da Assembleia da República

Senhoras e senhores Deputados

O Partido Socialista formalizou a moção de censura que vinha insinuando e, de facto, preparando desde há muito tempo. Com este gesto político, o Partido Socialista resume uma escolha construída em favor da radicalização na confrontação política com o governo e assinala a sua opção de dar preferência ao calendário partidário em detrimento do calendário relevante para o país.

Parece bastante claro que, para o país e para os portugueses, a prioridade é vencer a emergência nacional que se instalou a partir de Maio de 2011, quando o país esteve à beira da bancarrota, e assim reconquistar a sua autonomia orçamental no quadro europeu, cuidando de garantir progressivamente o acesso a financiamento junto dos investidores externos. Os portugueses sabem que o difícil e exigente processo que nos permite alcançar este objectivo está fortemente correlacionado com a nossa capacidade para recuperar da profunda crise que tem marcado o ajustamento económico e deverá coincidir com o regresso do investimento que suporta o crescimento da economia e a criação de emprego. Sem vencer a emergência nacional, ou seja, sem cumprir o essencial do Programa de Assistência Económica e Financeira, não há confiança suficiente para resgatar a autonomia nem há acesso a financiamento. Sem confiança, sem autonomia e sem financiamento não haverá senão uma liberdade muito limitada e, certamente, haverá uma perpetuação da dor social e económica, com o aprofundamento do desemprego e das injustiças sociais.

Deste modo, para o país e para os portugueses, o calendário relevante é o que está associado à conclusão do Programa de Assistência Económica e Financeira, previsto para Maio de 2014. E a questão pertinente que nessa dimensão temporal se coloca é a de saber se estamos ou não a evoluir de modo favorável ao nosso objectivo de sair da emergência nacional e concluir o Programa negociado com os nossos parceiros europeus e com o FMI. Ora, a resposta a esta pergunta tem sido dada regularmente pela própria Troika ao longo de sucessivos exames regulares. Apesar das dificuldades acrescidas resultantes do enfraquecimento do contexto europeu, e apesar ainda dos desafios orçamentais suscitados por um ajustamento económico mais rápido e profundo do que o esperado inicialmente ao longo de 2012, Portugal tem obtido avaliações positivas durante quase 2 anos de execução do Programa.

De facto, nas três dimensões relevantes, Portugal apresenta hoje progressos importantes. Na dimensão estrutural, as reformas têm vindo a ser preparadas e executadas dentro dos prazos acordados e respeitam o propósito de tornar a nossa economia mais competitiva, concorrencial e aberta, rompendo com o imobilismo e a estagnação de mais de uma década. Na dimensão financeira, a estabilização tem sido reforçada e o nosso sistema financeiro está hoje devidamente capitalizado, deixando progressivamente de estar viciado em políticas de crédito insustentável e merecendo a confiança dos aforradores. Na dimensão macroeconómica, os desequilíbrios persistentes na balança externa e no défice público têm vindo a ser corrigidos de forma significativa, com a economia a registar pela primeira vez em muitos anos um excedente sobre o exterior e com o Estado a reduzir o défice em termos estruturais em mais de 6 pontos percentuais do PIB em apenas dois anos.

Pergunta-se, então, por que razão apresenta o Partido Socialista uma moção de censura ao governo neste contexto? E sobretudo, com que autoridade censura o PS estes resultados que, no passado, foi ele próprio incapaz de atingir? É realmente espantoso ver o Partido que mais aumentou o défice do Estado em Portugal censurar a maioria que o está a diminuir. Ou ver o Partido que menos reformas estruturais realizou, quando teve bastante e melhor oportunidade para as concretizar, censurar a maioria que mais reformas tem produzido em Portugal. Ou mesmo ver o Partido que mais poupança destruiu e mais desequilíbrio externo provocou censurar a maioria que mais conseguiu elevar a poupança e reduzir o défice da balança corrente. Em suma, é espantoso, para não dizer perverso, que o Partido que conduziu o país ao precipício financeiro e que negociou o resgate externo apareça agora a censurar a maioria e o governo apenas porque estamos a cumprir os termos desse resgate e damos a cara pelo ajustamento inevitável a que nos conduziram.

Mas a censura apresentada pelo PS não é apenas perversa e injustificada face aos resultados obtidos. Ela é também infeliz no tempo em que se conjuga. Não me refiro apenas à incerteza envolvendo a área do euro, mais recentemente relacionada com Chipre. Pretendendo temporalmente associar a discussão da censura política à decisão que o governo português está a negociar, em coordenação com o governo irlandês, da extensão das maturidades dos empréstimos europeus da Troika, que culminará dentro de pouco mais de uma semana nas reuniões que terão lugar em Dublin, o Partido Socialista mostra que nem aquilo que ele próprio considera como de relevante interesse nacional o impede de levar por diante o seu propósito interno de criar ruptura com o governo e instabilidade política no país.

Este comportamento chega mesmo a ser paradoxal, como já se comprovou em múltiplas ocasiões. Por exemplo, o PS considerou que era importante obter junto da Troika mais tempo para a trajetória de consolidação orçamental. Mas censura o governo por ter, em Setembro do ano passado e em Março último, obtido justamente maior flexibilidade para as metas traçadas. Ora, sendo esta uma questão que não é secundária, já que uma possível inflexibilidade da Troika originada por um padrão de incumprimento por parte do governo português poderia custar mais austeridade e sacrifícios aos portugueses, como pode o Partido Socialista censurar em vez de se congratular com tais resultados mais flexíveis?

O mesmo com os prazos de reembolso dos empréstimos europeus. Sabemos que os prazos negociados pelo PS apresentam uma concentração muito elevada de pagamentos entre 2015 e 2016 e depois em 2021 que agravam a percepção de risco sobre a dívida portuguesa e dificultam a realização de emissões a 10 anos, indispensáveis ao regresso a financiamento normal. Por que razão decide o PS criar, então, um clima de instabilidade política e de divergência face ao exterior que é prejudicial ao bom resultado que precisamos de obter para Portugal nestas duas semanas?

Tratando-se do principal partido da oposição, isto é, do partido ao qual cabe a natural responsabilidade de construir a alternativa democrática no país, este comportamento radical só pode trazer intranquilidade aos portugueses e receios e dúvidas junto dos nossos parceiros externos e dos investidores em geral. Ninguém deve esperar do maior partido da oposição que não seja oposição, como lhe compete. Mas, numa conjuntura desta relevância histórica, exigir-se-ia que a oposição que aspira a ser governo soubesse afirmar as suas diferenças sem urdir um clima de ruptura que só prejudica o país e os portugueses.

Quando afirma, perante o exterior do qual dependemos financeiramente, que pretende eleições e um novo governo que renegoceie o Programa de Assistência, o Partido Socialista está de facto a dizer que pretende um segundo programa de assistência, com mais tempo e mais dinheiro portanto, não porque a adversidade externa o pudesse hipoteticamente tornar inevitável, mas porque, enquanto futuro governo, decidiria voluntariamente não cumprir o Programa em vigor. 

Quando o PS clama pelo fim da austeridade e pelo regresso a políticas desastrosas de aumento do défice, o que realmente está a indicar para fora do país é que, no que depender dos socialistas, Portugal não cumprirá as suas obrigações. Julga, inexplicavelmente, que esta atitude lhe granjeará mais respeito e boa vontade dos parceiros europeus. Qualquer cidadão sensato percebe que o resultado só pode ser o oposto.

Mas o PS, quando incita ao fim da austeridade, a que austeridade se refere realmente? À que está implícita no corte salarial médio de 5% na função pública que ele próprio aprovou em 2010 para os anos seguintes? Ou será que se refere à austeridade da contribuição extraordinária de solidariedade? Sim, à contribuição a aplicar às pensões mais elevadas que ele próprio criou em 2010 para os anos seguintes? E também à proposta da contribuição sobre as pensões acima de 1500 euros que incluiu no famoso PEC 4 e que negociou e inseriu no Memorando de Entendimento, apesar de solicitar ao Tribunal Constitucional que declare a inconstitucionalidade da medida que lhe servia quando estava no governo mas que contesta agora na oposição? 

O Partido Socialista não tem hoje, infelizmente, uma estratégia consistente e alternativa para Portugal. Sabe que o país não dispõe de autonomia orçamental, mas é incapaz de defender a austeridade que antes lhe servia. O PS aprova o Tratado Europeu de Estabilidade Orçamental que impõe a regra de ouro e o equilíbrio das contas públicas mas é incapaz de se mostrar disponível para discutir ou simplesmente mostrar as poupanças que é necessário realizar no país para cumprir as regras que também diz defender no seio do euro. O PS mostra-se inconsolável com a dor do processo de ajustamento que ele próprio tornou inevitável e queixa-se do elevado desemprego, que é certamente a maior chaga social que temos em Portugal. Mas é incapaz de apresentar uma solução honesta que resolva esses problemas de forma diferente da que o atual governo prossegue. Alimenta a ideia simplista, quase infantil, de que o problema se resolve parando com a austeridade e apostando no crescimento, como se fosse possível encontrar financiamento para crescer sem gerar confiança nos investidores e sem demonstrar vontade para reduzir a despesa que gera a dívida quando esta é demasiado pesada. 

Não deixa de ser irónico, num momento em que a vertigem do passado recente insiste em estar tão presente, que tudo isto ocorra em vésperas de se assinalar o 30º aniversário da posse do governo de coligação liderado pelo Partido Socialista que assumiu a responsabilidade de pedir o auxílio externo do FMI em 1983. O objectivo óbvio era, então, evitar uma gravíssima crise de pagamentos obtendo o necessário empréstimo externo, para o que se teve de executar um plano de assistência financeira duríssimo com submissão a forte austeridade. Nessa altura, o PS resistiu à solução radical da extrema-esquerda. E, com frequência quase diária, teve de ripostar à demagogia que agora, em 2013, acolhe como discurso oficial passando de vítima a vitimador.

Mas nós cá prosseguiremos o nosso caminho de trabalhar para mudar Portugal e para conquistar uma esperança que mobilize os portugueses. Sabendo que as dificuldades são enormes e que os sacrifícios têm sido extraordinários. Sabendo que a recuperação será lenta e recheada de riscos, exigindo o melhor de todos nós com grande persistência. Sabendo que a correção dos desequilíbrios e das injustiças nos trará incompreensões e cada vez mais demagogia. 

Na verdade, a proposta que o PS apresenta ao país está ao nível do teor da moção de censura que hoje discutimos. Trata-se de uma visão panfletária que explora demagogicamente a insatisfação com a crise e que não sugere qualquer ideia construtiva e realista diferente da que o país vem trilhando. Está, portanto, ferida no essencial porque não representa um caminho alternativo credível que pudesse ser consequente. E está ferido ainda por atraiçoar o mandato de verdadeira mudança que os portugueses confiaram, em Junho de 2011, tanto à maioria, no governo, como ao partido Socialista, na oposição.

Portugal e os portugueses merecem todo o nosso respeito e o nosso empenho. Mas Portugal e os portugueses mereciam certamente mais do PS de hoje.»