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Cerca de 850 mil alunos do ensino básico retomaram esta segunda-feira o ano letivo através da telescola. Difundida pela estação pública, a emissão diária #EstudoEmCasa ocupa a grelha da RTP Memória, com conteúdos vocacionados para diferentes alunos – ou como lhe chama o Governo, “blocos pedagógicos temáticos, de largo espectro”, lecionados por mais de uma centena de docentes de seis escolas públicas, duas privadas e da ciberescola.
A telescola, que educou milhares de portugueses pela televisão, entre 1965 e a década de 1990, vai permitir agora contornar o encerramento dos estabelecimentos de ensino, decretado no âmbito do estado de emergência.
Mas a telescola, tal como os meios telemáticos, em geral, têm vulnerabilidades. No primeiro caso, o modelo atual gizado pelo Governo deixa de fora os alunos com necessidades específicas, nomeadamente porque não abrange as aulas de Língua Gestual Portuguesa, nem a especificidade de grupos de alunos integrados nos centros de apoio à aprendizagem ou ainda os alunos portadores de incapacidades, amblíopes e cegos. O PSD decidiu, e bem, dirigir uma pergunta ao ministro da Educação, alertando para o facto de a telescola “não responder à concretização da tão almejada educação inclusiva”.
No caso do ensino online, a falha mais grave diz respeito à discriminação social, diga-se injusta e incompreensível, de 50 mil alunos que não poderão ter aulas, porque simplesmente as suas famílias não têm nem recursos, nem equipamentos informáticos. Quando muitas famílias recorrerem a cantinas sociais para as refeições básicas, como podem ter meios para adquirir computadores, tablets, câmaras, microfones, routers, hotspots, impressoras e pacotes de acesso à internet? Um problema que se estende também aos professores, basta imaginar um casal de docentes, com apenas um computador, e facilmente verão as dificuldades para agilizar o ensino à distância.
Abril é o mês da liberdade e da marca genética nossa da democracia faz parte a igualdade de oportunidades. Mas 46 anos depois, parece que a igualdade de oportunidades estará suspensa ou, quiçá, em estado de emergência, padecendo, por estes dias, de algumas restrições. E são os alunos oriundos de agregados familiares mais vulneráveis e carenciados as primeiras vítimas de daquela suspensão, que poderá deixar sequelas irreparáveis na formação das futuras gerações.
A democracia exige que todos possam ter acesso às plataformas ZOOM, Moodle, Webex, Microsoft Teams e Google Classroom e esta prorrogativa não constituir um qualquer direito virtual. O Governo não pode, nem deve, como aliás está a acontecer com as políticas de descentralização, passar a batata quente aos Municípios, quando aprova pacotes de competências sem as fazer acompanhar de um envelope financeiro adequado. Decide primeiro e deixa que as autarquias se responsabilizem, quanto aos equipamentos e ao acesso à rede.
Vivemos um tempo absolutamente dramático, que requer uma maior vigilância e atuação contra o agravamento das desigualdades económicas e sociais. Não basta garantir emissões diárias de blocos pedagógicos a cores, substituindo o preto-e-branco, para cumprir “o direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar”, que a Constituição prescreve. Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito implica que o Estado disponibilize mais recursos e faça menos propaganda, para que a covid-19 não contribua para formar exércitos de alunos sem as competências mínimas numa sociedade cada vez mais exigente e competitivo.
Existem programas europeus que podem financiar a oferta para todos no acesso às tecnologias digitais, como existem organismos que podem coordenar esses fundos estruturais e de investimento para o ensino à distância, como acontece com a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, a AD&C.
Resta saber se o Governo saberá recorrer a esses instrumentos atempadamente ou, se pelo contrário, irá desperdiçar a oportunidade de usufruir de fundos imprescindíveis e cruciais, para mitigar o impacto da covid-19 na construção de uma nova geração, sedenta de saber.
Artigo publicado originalmente no Povo Livre.