José Cancela Moura: (In)dependência

29 de abril de 2020
PSD

Os media também estão a sofrer o impacto da paragem da economia e do confinamento social imposto pela pandemia. As receitas dos meios de comunicação social caíram a pique, por exemplo na ordem dos 50%, nos títulos desportivos e 75%, relativamente aos diários generalistas, fruto da descida das vendas dos jornais e, no caso dos órgãos audiovisuais – televisão e rádios – da redução da presença de anúncios nos espaços publicitários.

A covid-19 veio assim agravar uma crise estrutural, que afeta particularmente a imprensa escrita nacional, regional e local. Perante este cenário, o Ministério da Cultura decidiu comprar-lhes antecipadamente 15 milhões de euros, destinados a publicidade institucional.

Mas esta decisão é muito questionável, primeiro porque a questão económica é transversal e depois porque o Governo se limita a comprar “espaço mediático”, servindo-se do dinheiro dos contribuintes. Recursos que não estão a chegar a setores críticos que integram a função essencial do Estado, onde se acumula dívida, como na Saúde, ou onde se esbarra demasiado na burocracia, por exemplo na Segurança Social, que para além de atrasada na comparticipação que lhe compete, autorizou apenas 61,7% dos mais de 62 mil pedidos de lay-off já analisados.

Por isso, se estranha que o Ministério da Cultura se limite a passar um cheque de 15 milhões de euros para garantir boas notícias. E que implemente a medida, de forma unilateral, à revelia da auscultação dos principais partidos com assento parlamentar. Pelo menos, o PSD não foi ouvido. O Governo foi, aliás, mais lesto que a Comissão Europeia, que ainda está a ponderar um fundo de emergência para apoiar os meios de comunicação social em toda a União Europeia.

Importa ainda ter em conta, que a existência de uma comunicação social livre, independente e plural é condição essencial para a consolidação da nossa democracia. É também, como muito bem retrataram os eurodeputados da comissão de Cultura, o “antídoto fundamental” para a pandemia da desinformação e das fake news. Bem sei no que deram subsídios do Município aos órgãos de comunicação social no meu burgo, a pretexto da aquisição institucional de publicidade. Notícias de sentido único, que nem asseguram o direito mais básico de informar –o contraditório.

Se realmente o Governo pretendia apoiar o setor, em contexto excecional, deveria ser mais transparente na definição dos critérios do modelo de financiamento, da distribuição do montante a atribuir e sobretudo na garantia de o montante destinar-se efetivamente aos principais lesados desta crise dos meios de comunicação social, os profissionais dos jornais, rádios e televisões.

Existem medidas discriminatórias positivas, como a concessão de benefícios fiscais, a redução de impostos ou de taxas sobre conteúdos divulgados pelas plataformas digitais e das empresas de clipping, por exemplo, que poderiam ter sido ponderadas em vez da atribuição de verbas que desconhecemos com finalidade, a quem e em que condições vão chegar. Pelo menos ofereceriam maior objetividade do que uma medida avulsa de atribuir 15 milhões.

A suspeita, legítima, que fica é que o Governo poderá planear a presença de ministros, secretários de Estados e de assessores para venderem a sua propaganda nos órgãos de comunicação social, condicionando a opinião publicada, tudo num claro atropelo ao pluralismo e à liberdade de expressão, de uma democracia que acaba de celebrar 46 anos de liberdade.

É, aliás, uma ironia o País comemorar Abril, com o Governo a comprar espaço de antena de forma tão despudorada, uma espécie de Rendimento Mediático Garantido, à custa dos dinheiros públicos. Não será certamente a melhor forma de cumprir Abril.

Como bem lembrou Rui Rio, na sessão do 25 de Abril, “mais importante do que planear a presença de governantes nos jornais e nas televisões para publicitarem, a toda a hora, o que fizeram e o que não fizeram, é planear a resposta do País a uma eventual segunda onda da covid-19”. Nem mais, nem menos.

Graça Fonseca não pode, abusivamente, e a pretexto de uma crise sanitária, atirar dinheiro para a comunicação social, para esconder a confrangedora gestão de um Ministério que sofre, desde o início, uma contestação sem precedentes por parte das principais estruturas de apoio às artes, cultura e indústria livreira. Ou até para omitir os negócios da alienação de terrenos do Centro de Produção do Norte da RTP ou o conflito de interesses do secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media.

Apoiar, em situações de crise, não pode significar só despejar dinheiro, neste caso aos mass media. Tem de ser muito mais que isso, desde logo o escrutínio do destino das verbas atribuídas e, acima de tudo, a criação de condições para que as empresas privadas não fiquem na dependência de comparticipações do Estado. A crise dos meios de comunicação social, infelizmente, é anterior e vai prolongar-se muito para lá desta pandemia.

Artigo publicado originalmente no Povo Livre.