ESTADO DA NAÇÃO: Assuntos Europeus

11 de julho de 2017
PSD

Por Miguel Morgado


“Os últimos 12 meses foram pródigos em acontecimentos e iniciativas ao nível europeu. Foram muitos os desafios que se colocaram à Europa. Começaram as negociações do Brexit, não necessariamente da melhor maneira. Retomou-se a discussão sobre a reforma institucional da União Europeia [União Europeia], com particular ênfase nas áreas do aprofundamento da União Económica e Monetária e da Segurança e Defesa Comuns. A crise das migrações não desapareceu e, se a rota balcânica se regulou graças a um acordo precário com a Turquia, a rota da Líbia assumiu proporções de desastre sem fim à vista. Vários Estados-membros sofreram horríveis ataques terroristas. Os populismos de esquerda e de direita tiveram avanços em vários atos eleitorais que não podemos ignorar, mas não comprometeram a integridade do projeto europeu, como alguns recearam e outros ameçaram.

Nas negociações com o Reino Unido, o PSD colocou desde a primeira hora como absoluta prioridade na agenda negocial a situação dos cidadãos portugueses (e europeus) que lá vivem e trabalham. A preservação dos direitos de residência, laborais e de acesso aos serviços sociais, dos nossos emigrantes (e dos emigrantes europeus) no Reino Unido é uma matéria sem margem para recuos. E, no mesmo sentido, a plena reciprocidade para os cidadãos britânicos a viver em Portugal (e no resto da União Europeia) foi por nós igualmente defendida. Essa posição negocial foi inteiramente acolhida pela equipa da UE que lidera as negociações com o Reino Unido e assim deve permanecer, sem aceitação de moedas de troca.

A Comissão Europeia relançou o debate sobre a reforma da zona euro com alguns caminhos concretos de ação. Para o PSD, estes são sinais muito positivos, já que se trata de um assunto vital para Portugal. Depois da ambiciosa proposta de reforma que fizemos em 2015:

- com a criação de um Fundo Monetário Europeu,

- com a instituição de uma capacidade orçamental preferencialmente assente em recursos próprios com funções de estabilização económico-financeira,

- com a conclusão atempada da União Bancária, nomeadamente com a definição de um suporte orçamental para o Fundo Único De Resolução, com a criação de um sistema europeu de garantia de depósitos

- e o avanço para uma União dos Mercados de Capitais europeus,

estamos na fase de trabalhar os detalhes destas reformas e de reunir os consensos políticos necessários entre os Estados-membros nossos parceiros.

Como se sabe, o Governo perdeu mais de um ano. Sem outra explicação que não o ressabiamento partidário, o Governo só em dezembro de 2016, e a reboque de outros governos europeus, lá se decidiu por apoiar a iniciativa lançada, em 2015, por Pedro Passos Coelho de criação de um Fundo Monetário Europeu, não sem ter sido constantemente instado pelo PSD a fazê-lo desde o início da atualatual legislatura, no Parlamento e fora dele.

Esperamos agora que o Governo, ainda que atrasado, se concentre nessa tarefa. Mas o seu silêncio após a publicação pela Comissão Europeia do Documento de Reflexão sobre o aprofundamento da UEM (no passado mês de maio), onde precisamente estão delineados alguns dos detalhes operacionais por nós propostos, dificilmente se compreendeu. Tivemos as reações mais do que previsíveis dos partidos da extrema-esquerda que apoiam o Governo a exprimir a sua frontal oposição. E do PS tivemos apenas reações com um tom inequivocamente pesaroso. Só na passada semana, e por insistência do PSD, o Governo decidiu-se a verbalizar o seu apoio às teses do dito documento.

A retórica do Governo também registou uma inversão assinalável. Agora e finalmente, rejeitam a política da 'polarização' entre Norte e Sul. Para trás, ficam os enlevamentos com alguns dos populismos de esquerda e as declarações conjuntas com o primeiro-ministro Tsipras. Mas a maioria parlamentar que apoia o Governo mantém a sua atração pelas políticas da polarização, quando não, nos casos do BE e do PCP, de apelo à retirada do País das estruturas europeias. Não é, portanto, na sua própria maioria política que o Governo encontrará apoio para mobilizar o País e a Europa para as reformas e transformações que são necessárias.

No domínio da Segurança e da Defesa Comuns, a discussão sobre o aprofundamento da integração europeia teve nos últimos meses um impulso considerável. Desde a mini-cimeira de Versalhes, em que um novo Diretório constituído pela Alemanha, França, Espanha e Itália, foi aparentemente criado, que se tornou patente que esta área seria o próximo alvo do aprofundamento da integração. As debilidades europeias neste domínio são patentes, mas por enquanto subsistem mais perguntas do que respostas.

O Governo português tem também uma enorme dificuldade em prestar o mínimo dos esclarecimentos sobre este assunto quando questionado pelo PSD. Afinal de contas, Portugal vai estar na liderança da chamada 'cooperação estruturada permanente' em matéria de Defesa? Como funcionará o chamado Fundo Europeu de Defesa? Como será financiado? Que discriminação fará das prioridades em termos de investimento nas capacidades? Que consequências para a indústria militar nacional do desenvolvimento de uma espécie de Mercado Interno europeu para equipamentos militares e para Investigação e Desenvolvimento? Como se fará a articulação com a NATO? E, além disso, como está Portugal a preparar a trajetória para alcançar o objetivo de 2% do PIB em despesa com Defesa, ou o objetivo de 20% das despesas em Defesa na aquisição de equipamentos e em I&D? Estes são temas delicados e complexos que exigem um debate aberto e informado.

A propaganda do Governo a respeito da influência do País nos grandes temas europeus caiu por terra nestes últimos 12 meses. Nem vale a pena mencionar o fiasco do grupo dos países do Sul, cuja criação não passou de um golpe propagandístico. Basta dizer que Portugal perdeu a posição de liderança que teve com o PSD nas propostas de reforma (ex: UEM) e de negociação concertada (ex: revitalização do chamado 'Grupo dos Amigos da Coesão', que foi crucial em 2013 para levar a bom porto a negociação dos fundos europeus do atual ciclo).

É urgente que esse desaparecimento de Portugal seja invertido, mas a debilidade da maioria parlamentar que suporta o Governo não é auspiciosa a esse respeito.

Por último, a questão dos atrasos na transposição das diretivas europeias para o ordenamento jurídico nacional, pelo que tem de concreto e simbólico. Cabe aos governos dos Estados-membros a responsabilidade pela transposição adequada e atempada das diretivas adoptadas pelas instituições competentes da União. A não transposição prejudica a harmonização das legislações dos Estados-membros, o bom funcionamento do Mercado Interno e, nalguns casos, a qualidade da garantia das liberdades e direitos dos cidadãos. Ao longo destes últimos meses, o PSD insistentemente interpelou os membros do Governo a este respeito, efetuando repetidos alertas – alertas sempre desvalorizados e que se deparavam por vezes até com a própria ignorância do Governo relativamente ao seu alcance. Ora, no final de 2015, Portugal era o Estado-membro com a 2.ª melhor classificação nas transposições. No início de 2017, perante a inação do atual Governo, caiu para o 27º lugar. Recorde-se que, em 2011, o Governo PSD/CDS quando tomou posse teve de resolver uma situação difícil legada pelo anterior governo socialista no que tocava à transposição de diretivas. Mas o esforço foi feito, nessa matéria e em tantas outras, e os resultados estavam à vista com um registo insignificante de atrasos. Entretanto, em ano e meio do atual Governo, o índice de atrasos foi multiplicado por um fator de 8.

Chegados a meados de 2017, é fácil constatar que o Governo não tem uma estratégia europeia digna desse nome. A Europa vai servindo para gerir a política interna da maioria parlamentar de apoio ao Governo, para criar bodes expiatórios ou para fazer proclamações vãs. Em parte porque a visão socialista da Europa cristalizou-se, ainda na oposição, como uma adesão crescente aos populismos de esquerda, e agora querem arrepiar caminho; em parte por debilidade política interna, o certo é que o Governo não tem condições para ter uma participação liderante na formação de uma estratégia para o futuro da Europa.

Portugal é quem perde com isso.”