Intervenção de Pedro Passos Coelho na Conferência "Portugal Pós-Troika"

12 de março de 2014
PSD

[Só faz fé versão lida]


Conferência “Portugal Pós-Troika”

Intervenção do Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho

 

«Senhora Diretora do Jornal de Negócios,

Senhora Diretora da Rádio Renascença,

Senhor Secretário de Estado Brian Hayes,

Senhor Poul Thomsen,

Ilustres Participantes e Convidados,

Minhas Senhores e meus Senhores,

 

Esta conferência do Jornal de Negócios convida-nos a pensar
o nosso futuro, quer o mais próximo quer o mais distante, depois do Programa de
Assistência. Eu próprio já há algum tempo que procuro introduzir este tema na
discussão pública. Hoje ninguém dúvida da sua importância, da importância de
debater o “pós-troika”, porque temos uma noção clara dos desafios que nos
aguardam; porque é urgente olhar para eles de frente, com ambição e com
realismo; e porque numa sociedade democrática a nossa ação depende de uma
deliberação colectiva prévia que não deve excluir ninguém. Temos de olhar para
o nosso futuro, temos de prepará-lo, com o rigor e com a profundidade que
estiveram ausentes nos últimos 15 anos.

É mais de uma década de estagnação económica que torna esta
tarefa premente. São três intervenções externas em pouco mais de três décadas
que nos convocam para ela. É a esperança de um povo que merece uma sociedade
mais próspera, mais justa e com oportunidades para todos que exige que não
adiemos mais o nosso futuro.

Com a aproximação da conclusão do Programa de Assistência,
aproxima-se também esse futuro, o que nos obriga a decisões que terão
consequências importantes para os próximos anos. Mas este é também o momento
natural para procedermos a um balanço do Programa nas suas múltiplas vertentes.
Um balanço que deve ser tão informado, abrangente e realista quanto possível.

Sabemos que foram três anos muito duros para todos. As
consequências económicas e sociais do colapso sofrido no primeiro semestre de
2011, e que nos deixou à beira da bancarrota, fizeram-se sentir com
profundidade em todos os sectores da sociedade portuguesa. A resposta de
emergência, que foi indispensável para evitar uma derrocada de consequências
catastróficas para o País, também acarretou custos muito consideráveis e tornou
necessários sacrifícios que ninguém gosta de impor. Foram sacrifícios duros,
com custos reais, que não é possível, nem desejável negar.

Mas hoje é muito mais claro o sentido desses sacrifícios,
dado que estamos à beira de concluir o Programa de Assistência, sem requerer um
segundo resgate que nos arrastaria para uma nova vaga recessiva e comprometeria
a nossa autonomia por um período muito mais longo.

É muito mais claro porque a recuperação económica está a
revelar um vigor que surpreendeu muita gente, em Portugal e no estrangeiro. No
aumento do produto, das exportações, na diminuição do desemprego, na
estabilização do consumo, na reabilitação do investimento, na criação de novas
empresas, estão patentes as grandes capacidades dos trabalhadores e das
empresas portuguesas para fazer face aos desafios e para os vencer.

O balanço de que falo deve ser feito à luz dos objectivos
que foram definidos para o bom termo do Programa de Assistência. Precisamos de
saber com rigor o que conseguimos fazer. Mas também precisamos de saber o que
conseguimos evitar.

Em primeiro lugar, foi bem-sucedida a estabilização
financeira indispensável para estancar a queda da economia e o colapso do
Estado – com tudo o que isso implicaria em termos da viabilidade do Estado
social.

O nosso sistema financeiro está agora bem capitalizado e tem
condições para restabelecer o financiamento da economia produtiva.

A nossa estratégia de retorno aos mercados de financiamento
do Estado prosseguiu conforme foi definido desde o início e, em certo sentido,
foi mais bem-sucedida do que se tinha suposto. O facto de gradualmente esse
acesso ter sido restabelecido, e de, ao contrário da Grécia, nunca termos
perdido totalmente o contacto com esses mercados, foi crucial para amenizar o
impacto na economia e para garantir que o envelope financeiro do Programa –
apesar de curto dadas as nossas necessidades – fosse suficiente para evitar um
segundo resgate.

Aqui, a credibilidade do nosso compromisso e a recuperação
da confiança foram decisivas para o resultado que temos hoje.

O resultado exprime-se do seguinte modo: hoje discutimos as
vantagens das diferentes modalidades de saída do Programa que se colocam à
nossa escolha autónoma.

Além disso, é importante recordar que o nosso ponto de
partida em 2011 era tudo menos favorável em termos da carga global de
endividamento – público e privado. Daí ter sido tão importante passarmos tão
rapidamente de défices crónicos da nossa conta corrente e de capital, que
acumularam de modo exorbitante uma dívida externa imparável, para uma condição
de emprestadores líquidos ao exterior. Foi isso que conseguimos a partir de
2013, ao alcançarmos o primeiro excedente externo em mais de 20 anos. E, ao
contrário do que por vezes se sugere, este resultado não foi feito pela via
dominante da compressão das importações, mas antes pelo crescimento
extraordinário das nossas exportações.

Apenas para se ter um ponto de comparação: entre 2010 e
2013, o ajustamento da balança de bens e serviços na Grécia foi de 7 pontos
percentuais. Mas a distribuição foi a seguinte: as exportações subiram 7,2 por
cento e as importações caíram 18,4 por cento. Em Portugal, o ajustamento no
mesmo período foi de 9,7 pontos percentuais – bastante maior, portanto – e em
que as importações desceram 5,1 por cento e as exportações dispararam 24,2 por
cento.

O contraste é muito significativo e conta uma história
substancialmente diferente. É uma história não de números e de abstrações, mas
de diferenças na capacidade de recuperação produtiva e de abertura ao exterior,
com reflexos reais na vida das pessoas.

Em segundo lugar, a reforma estrutural e a transformação da
nossa economia. Não me falha a objectividade se disser que não houve período da
nossa história democrática em que se procedeu a tantas reformas económicas,
institucionais e legislativas, com o propósito de aumentar a nossa
competitividade, abrir e democratizar a nossa economia e elevar a qualidade
institucional.

Só enunciar as áreas em que essas reformas tiveram lugar já
é suficiente para formar uma longa lista:

 

- Justiça,

- Saúde

- Educação e Aprendizagem,

- Concorrência e Regulação,

- Finanças Públicas,

- Segurança Social,

- Mercado de Arrendamento,

- Licenciamento,

- Administração Pública,

- Diplomacia Económica,

- Defesa,

- Autarquias Locais,

- Fundos Europeus,

- Mercado Laboral,

- Redução das Rendas Excessivas das PPP, Energia,
comunicações móveis e do mercado dos medicamentos.

 

E tudo isto em simultâneo com uma resposta de emergência que
as circunstâncias nos impuseram.

 

Tudo isto em simultâneo com uma resposta de emergência
ditada pela eclosão conjunta de um sem número de problemas muito graves que
anos e anos de adiamentos, negligência e hesitações, acumularam.

A este propósito, vale a pena lembrar que houve quem
dissesse que períodos de emergência eram os únicos em que se podia fazer
reformas em Portugal.

Mas a mim parece-me mais avisado construir uma cultura
política em que as reformas necessárias possam ser feitas em anos de normalidade,
e não forçadas por um contexto excepcionalmente adverso. É essa cultura
política que temos de construir. Essa é também uma tarefa para o nosso futuro
“pós-troika”.

As reformas estruturais demoram o seu tempo a gerar os
benefícios pretendidos. Não temos dúvidas de que o País irá durante muitos anos
gozar dos benefícios de todas as reformas que fizemos até aqui, e que
continuaremos a fazer, até ao final da legislatura.

Mas é bem possível que hoje estejamos já a assistir à
materialização desses benefícios.

Apenas para vos dar dois exemplos: no período de 2008 a 2013
só três países europeus viram aumentar a sua produtividade global – o
fundamento mais sólido da prosperidade das nações – relativamente ao período
2000-2007: Espanha, Dinamarca e Portugal. E a Comissão Europeia vai mais longe
e prevê que apenas Espanha e Portugal sejam capazes de sustentar essa elevação
da produtividade nos próximos anos.

Por sua vez, a OCDE assinala que no índice de regulação do
mercado de bens e serviços Portugal foi o segundo país da organização que mais
evoluiu positivamente para libertar o potencial produtivo das suas empresas e
trabalhadores.

Finalmente, a consolidação orçamental. É frequente dizer-se
que não tivemos resultados substanciais nesta frente. Mas essa é, do meu ponto
de vista, uma visão errada.

Para fazermos um julgamento objectivo nesta matéria
precisamos de ter em conta todos os factos relevantes. Para começar, não
podemos esquecer que o ponto de partida do Memorando de Entendimento estava mal
definido e desajustado da situação efetiva das nossas finanças públicas em Maio
de 2011.

Dito de um modo simples, o défice até Maio de 2011 que a
Troika supôs para o início do programa já tinha sido nessa altura muito
ultrapassado. Esse facto condicionou a estratégia orçamental desde o início.

Além disso, o Memorando de Entendimento originário tinha uma
perspectiva excessivamente optimista quanto ao andamento da economia europeia.

Não previu adequadamente a crise económica geral na Europa e
que não podia deixar de se traduzir em prejuízo da economia portuguesa. Também
aqui vale a pena contrastar o ambiente externo fortemente favorável que
acompanhou o ajustamento de 1983-85 – e que foi uma das chaves do seu sucesso –
com as condições muito degradadas dos nossos principais parceiros comerciais
nos últimos 3 anos.

A adversidade no ambiente externo a partir de 2011 agravou
muito a trajetória do ajustamento. De acordo com o Banco de Portugal, se as
condições externas previstas no Memorando de Entendimento originário tivessem
sido verificadas, então teria havido logo em 2013 um ligeiro crescimento do
PIB, o défice orçamental teria ficado abaixo de 5 por cento no ano passado, a
dívida pública teria estabilizado mais cedo e o emprego seria cerca de 1,5
pontos percentuais superior ao que tivemos nos últimos 3 anos.

Ainda assim, e apesar de todos os ventos adversos, os
resultados da consolidação orçamental durante o processo de ajustamento são
indesmentíveis.

De um défice de 9,8 por cento do PIB em 2010 passaremos para
um défice de 4 por cento em 2014.

Para termos um contexto mais alargado, a Irlanda registou um
défice de 7,2 por cento e a Grécia um défice 13,1 por cento no final dos três
anos dos seus programas de assistência – no caso da Grécia, do seu primeiro
programa, já que ainda não é inteiramente claro quando é que a Grécia, depois
do atual segundo programa de assistência, poderá dispensar o auxílio externo.

Do ponto de vista do défice estrutural, aquele que conta
para efeitos do Tratado Orçamental, o défice português em 2014 será de 2,6 por
cento, incomparavelmente menor do que o número verificado em 2010: 8,7 por
cento. E, o que é muito importante, este ano teremos pela primeira vez desde
1997 um excedente orçamental primário.

 

 

Minhas Senhoras e meus Senhores,

 

Fizemos um caminho longo e difícil.

A História mostra-nos muitos precedentes de como processos
desta natureza suscitam muitos cepticismos.

Dada a profundidade dos nossos desequilíbrios, o nível de
endividamento global, público e privado, e a dimensão dos nossos desafios,
algum cepticismo seria sempre compreensível. Mas é menos compreensível que
parte desse cepticismo se tivesse traduzido em precipitações e reivindicações
que, a terem sido consentidas, provocariam um efeito desastroso. Ainda para
mais quando tínhamos um exemplo mesmo ao nosso lado das consequências concretas
para a vida das pessoas que resultaram de decisões precipitadas e de hesitações
geradoras de incerteza.

É cada vez mais nítido que a estratégia coerente e
abrangente que seguimos era o caminho mais acertado, mas só com muita
determinação do País como um todo é que ela pôde resistir às vozes que se
levantaram, nuns casos fruto da frustração compreensível, noutros casos da demagogia
que estes tempos difíceis fomenta.

 

Com efeito, a Grécia pagou infelizmente muito caro o preço
de sucessivas renegociações e de indecisões de percurso.

Nós em Portugal rejeitámos conscientemente esse caminho.

E, embora tenhamos suportado custos sociais muito grandes,
nesta hora de balanço faz sentido perceber os custos sociais que não tivemos de
suportar graças às escolhas políticas que fizemos.

Em termos acumulados, a Grécia sofreu nos anos do seu
ajustamento uma contração do PIB de cerca de 16 por cento. Ora, o número para
Portugal foi de 4 por cento. Estamos a falar de realidades fundamentalmente
distintas. No caso da Itália, que como sabem nem sequer esteve sujeita a um
Programa de Assistência, a contração acumulada foi aproximadamente a mesma que
em Portugal: 3,8 por cento.

E todos nós sabemos que o desemprego tem sido a face mais
negra dos custos sociais destes anos.

Também aqui foi possível separar Portugal dos exemplos
europeus mais dramáticos. Terminámos o ano de 2013 com uma taxa de desemprego
de 15,3 por cento.

O desemprego é ainda inaceitavelmente elevado entre nós, e
gradualmente tem vindo a ser reduzido.

Contamos que o ano de 2014 traga boas notícias a esse
respeito, com a consolidação da recuperação económica e um reforço das políticas
ativas de emprego.

Mas, se é verdade que não atingimos a redução de desemprego
com tanta velocidade como na Irlanda que já se situa nos 12 por cento, também é
verdade que conseguimos evitar o registo da Espanha (com 25,9 por cento) e o da
Grécia (com 28 por cento).

O caminho que temos pela frente é, sem dúvida, mais animador
do que aquele que encontrámos no Verão de 2011. Não quer isso dizer que os
desafios tenham desaparecido, nem que os riscos se evaporaram. Existem sempre
riscos, dada a incerteza própria do futuro. Mas quando olhamos para os últimos
três anos podemos dizer que hoje os riscos são de outra natureza.

Estivemos sujeitos a riscos sistémicos que punham em causa a
própria existência do euro. Hoje esses riscos sistémicos estão ultrapassados.

A superação desses riscos que pairaram sobre a União
Monetária deveu-se também ao modo como os Programas de Assistência foram
executados. Foi assim que protegemos em simultâneo os nossos países e
defendemos o projeto europeu. Tal como a integridade do todo protege as partes
que o compõem, também a responsabilidade das partes protege o todo. Esta
interdependência europeia é um facto das nossas vidas colectivas e é com ele
que temos de contar. Estamos juntos com os nossos parceiros europeus numa vida
comum. Partilhamos a mesma casa e um mesmo futuro. Formamos uma mesma sociedade
e a nossa convivência chegou a um ponto que nos obriga a excluir modos não
cooperativos de prosseguir a nossa caminhada.

O que fazemos em Portugal afecta o percurso da Europa; e o
que a Europa decide influencia o que sucede em Portugal.

Juntos e coesos podemos ter um futuro melhor para todos.
Mas, se não nos juntarmos, condenaremos o País e a Europa a um destino que
ninguém deseja.

Em concreto, a Europa precisa de um ajustamento bem-sucedido
nos países do sul. A própria ideia de Europa é impensável em tensão constante e
com desequilíbrios permanentes no seu seio. Por outro lado, precisamos que a
Europa acompanhe adequadamente os ajustamentos necessários das economias do
sul. Para isso precisamos de regras claras e iguais para todos, instituições
funcionais e processos de decisão e de implementação racionais e atempados. E
precisamos de agir rapidamente para corrigir os desequilíbrios que ameaçam a
União. Essa tem de ser uma prioridade europeia para os próximos anos. Para
levar este processo a bom porto, a União Bancária assume uma importância que
não pode nem deve ser desvalorizada.

Na nova fase que se aproxima não podemos regressar aos modos
e políticas do passado que nos levaram à beira da bancarrota.

Como tenho insistido em várias ocasiões, o processo de
consolidação orçamental não termina em Maio de 2014.

O nosso elevado nível de endividamento, as regras europeias
de coordenação económica do euro e o Tratado Orçamental, apoiado pelos três
partidos com vocação de governo, concorrem para a persistência da disciplina
orçamental.

Aprendemos da pior maneira o terrível custo do endividamento
sem limites, da estagnação económica e da irresponsabilidade financeira.

Contamos com a solidariedade da Europa, que deve
corresponder às novas exigências, mas também sabemos que temos de assumir a
responsabilidade nacional, que acaba por ser o outro lado da moeda.

Não podemos, portanto, aguardar passivamente por uma mudança
das regras europeias que não é plausível, nem se faria sem uma mudança drástica
na autonomia dos Estados-membros.

Temos de assumir o nosso futuro nas nossas próprias mãos.

Alegar que tudo depende da Europa não passa de um pretexto
para não termos uma estratégia e para fugir às escolhas que temos de fazer.

Ter um programa político cujo único conteúdo é a ilusão de
que a Europa virá um dia, mais ou menos longínquo, tomar conta de nós e dos
nossos problemas, é equivalente a não ter programa nenhum.

De resto, a abordagem mais realista à situação europeia não
nos permite alimentar qualquer cenário de diminuição da responsabilidade
nacional. Podemos e devemos aprofundar a solidariedade europeia e a
diversificação das formas como ela se concretiza. Mas isso não deve servir
ilusões de desresponsabilização. A alteração futura das regras europeias não
apontará certamente, e ainda bem, para o afrouxamento da disciplina financeira
e muito menos para o premiar do incumprimento.

Repito o que já disse noutra ocasião: é um erro perigoso
supor que haverá um constante cheque em branco europeu para gastar e endividar
o País. É por isso que temos de nos preparar para as regras de permanência no
euro e na Europa e não deixar a nossa democracia vacilar perante os populismos
e as demagogias.

Um passo importante que deveríamos dar reside num
compromisso político alargado em torno da estratégia orçamental para os
próximos cinco anos, isto é, em torno das condições básicas de todas as
políticas públicas, quer se inclinem mais para a esquerda, quer se inclinem
mais para o centro, quer se inclinem mais para a direita.

Acredito que esse compromisso é necessário e tenho a certeza
de que seria muito benéfico para todo o País. Seria um novo fôlego de confiança
com repercussões positivas para todos: no financiamento do Estado, no crédito
às empresas, no consumo das famílias, na sustentabilidade do nosso Estado
social.

Acredito que o compromisso é necessário porque um acordo
elementar mas de longo alcance em torno desta matéria obedece ao compromisso já
firmado no Tratado Orçamental. Mas o Tratado Orçamental não se cumpre sozinho.
Como é evidente, são as decisões orçamentais concretas que lhe dão cumprimento.

Esse consenso geral requer agora um compromisso mais
concreto, assente na consideração pragmática da realidade, e não num jogo
artificial de percepções contraditórias da realidade.

Rejeito a perspectiva de que em Portugal só é possível
construirmos novos pilares de confiança e de credibilidade debaixo de ameaça
externa. Talvez no passado tenha sido assim, mas está ao nosso alcance mudarmos
esses hábitos.

Sabemos o que temos de fazer e conhecemos o preço que
pagaremos por não o fazer. Temos diante de nós a possibilidade de voltarmos a
fazer as nossas próprias escolhas. Com essa cultura política renovada,
compromissos como o que mencionei não seriam uma vitória nem do Governo, nem da
oposição, mas uma vitória de todos, uma vitória genuinamente nacional.

 

 

Minhas Senhoras e meus Senhores,

 

A disciplina orçamental não é um fim em si mesmo. Está ao
serviço de uma sociedade mais próspera e mais justa. É nesse grande objectivo
que temos de nos concentrar. Os Portugueses mostraram que estão disponíveis
para fazer sacrifícios desde que sejam condição para um futuro melhor. E nós
sabemos o que significa um futuro melhor.

A tarefa que se impõe para o “pós-troika” é, portanto, fazer
crescer a economia, pôr as instituições ao serviço dos cidadãos, corrigir as
profundas desigualdades que permanecem e promover a justiça social.

Em áreas de soberania como a Segurança, a Defesa e a
Justiça, estamos prestes a fechar um importante ciclo de reformas. No caso da
Justiça entrámos já, aliás, na fase da monitorização das amplas mudanças
introduzidas. Na Defesa, com a Estratégia 2020, e também na Segurança, a
execução das reformas encontra-se em curso. Há investimentos a fazer, correções
a fazer, mas o sistema global merece toda a confiança e já não carece de
grandes transformações adicionais.

Na área social, as mudanças introduzidas preservaram a
função social e em grande medida a extensão orçamental que lhe é própria numa
economia social de mercado. Temos agora de caminhar para reformas mais
centradas no cidadão e na sua liberdade de escolha, e já não tanto em
transformações sistémicas. Mas temos de orientar os recursos da área social para
uma lógica de investimento social, isto é, de geração de oportunidades, de
ruptura com os ciclos de pobreza, de promoção da mobilidade social e na
elevação das qualificações dos Portugueses. E garantir que os recursos estão lá
para quem deles mais necessita. 

Hoje estamos confiantes de que podemos ter um futuro de
crescimento económico muito diferente do que tivemos nos últimos 15 anos.

Ora, para fazer crescer a economia precisamos de
investimento, em particular de investimento externo.

Temos condições para abrir um novo ciclo de investimento,
porque estabilizámos a economia e renovámos a nossa atratividade.

As reformas já executadas são instrumentais a este respeito.
Mas também o plano de fomento industrial, que aposta decisivamente no sector
dos transacionáveis, corresponde ao desígnio de uma economia mais aberta, mais
exportadora, com maiores índices tecnológicos, maior produtividade e, por
conseguinte, melhores salários.

A estratégia para a investigação e para o desenvolvimento
coordena-se com o mesmo propósito e segue um princípio simples de definir:
produzir uma investigação mais voltada para as empresas e para a economia.

A este respeito, é também central uma política criteriosa de
investimento público que esteja de facto ao serviço da economia e do
crescimento. Portanto, do retorno económico. No mesmo sentido, queremos dar um
novo impulso à modernização da Administração Pública, no sentido da sua maior
eficiência, mais entrosada com as novas tecnologias de informação e mais
próxima dos cidadãos.

Devemos ainda abraçar o desafio da economia verde, não só
porque ela se liga aos problemas sérios da sustentabilidade, mas também porque
encerra promessas de renovação tecnológica do País que não podemos ignorar.
Temos em curso a preparação de mudanças estratégicas na fiscalidade verde, que
darão um novo enquadramento ao desenvolvimento deste sector.

 

E, finalmente, a questão demográfica.

Este é um desafio que terá de ser respondido com constância
e visão, não só ao longo de vários anos mas de décadas. Não podemos continuar a
ignorar um problema que desdobra ameaças em vários planos. Não se trata apenas
da sustentabilidade financeira das instituições públicas e sociais, como por
vezes de forma redutora se quer fazer crer. A demografia é um fundamento do
nosso crescimento e da própria continuidade da nossa comunidade política tal
como a queremos preservar. Teremos de ser criativos na abordagem ao problema
que é muito complexo e, com a humildade necessária, aprender com as
experiências no estrangeiro de políticas públicas de incentivo à natalidade –
aprender com as experiências bem-sucedidas e com aquelas que não o foram.

Chegados aqui, vemos finalmente o início da recompensa pelo
caminho duro que percorremos. Que percorremos com determinação, com tenacidade
e com confiança.

Este é o momento para rejeitarmos os fatalismos que tantas
vezes na nossa história nos inibiram de acreditar que podemos viver numa
sociedade mais próspera e mais justa. Uma nação respeitada e que quer ter uma
palavra a dizer na história da globalização.

Este é o momento para nos mobilizarmos com a confiança de
quem quer tomar o seu próprio futuro nas suas mãos. Gradualmente encontramos as
razões objectivas para essa confiança, e mais razões virão.

Tudo isso está ao nosso alcance. Façamos, pois, um bom uso
da autonomia que temos vindo a reconquistar.

 

Muito obrigado»


Lisboa, 12 de Março de 2014