Discurso do Ministro da Saúde, Paulo Macedo, no The Lisbon Summit “The future of Portugal’s welfare system"

19 de fevereiro de 2014
PSD
[Só faz fé versão lida]

«Senhores representantes do “The Economist”
Senhor Presidente da Câmara Municipal de Cascais
Senhoras Embaixadoras e Senhores Embaixadores
Ilustres Convidados e Participantes

A designação de “estado de bem-estar social” está habitualmente associada a sistemas sociais em que o governo é responsável pelo bem-estar económico e social dos seus cidadãos. O uso do termo tem mais de 100 anos e baseia-se sobretudo no princípio de responsabilidade pública pelos que não têm condições mínimas de vida. O estado social protege sobretudo os cidadãos com maiores necessidades sociais ou financeiras. Uma das características habituais do estado social é a existência de um seguro social, que dê benefícios em períodos de maior necessidade (por exemplo, aos idosos, ou em caso de doença ou desemprego). Num estado de bem-estar social, o governo implementa habitualmente políticas para prestar cuidados de saúde de forma (tendencialmente) gratuita (pode incluir também a prestação pública de educação, por exemplo). Muitos países têm, pelo menos, algumas destas medidas habitualmente associadas ao estado social. A Grã-Bretanha, por exemplo, implementou, no final dos anos 40, o seu National Health Service (no qual o Serviço Nacional de Saúde Português foi largamente baseado). Noutros países da Europa, cobertura abrangente por cuidados de saúde e ensino superior subsidiado pelo estado são comuns. Os países Nórdicos são conhecidos por prestarem ajuda estatal aos seus cidadãos em quase todas as fases da vida. Já nos Estados Unidos da América, esta proteção é menos marcada, mas apesar de tudo, há legislação de cariz social, baseada em princípios dos estados sociais.
Olhemos para o estado do Estado social em Portugal, no presente (e no passado recente). 
A crise económica em que o país mergulhou trouxe, naturalmente, desafios acrescidos ao conceito de estado social que descrevi. Por uma convergência de fatores, do lado da oferta e da procura. Se, por um lado, as necessidades sociais e económicas a que fiz referência se agudizaram, por outro, as verbas disponíveis para fazer face às mesmas foram substancialmente reduzidas. Com a crise, aumentou o número de desempregados – destinatários potenciais de alguns dos benefícios caraterísticos dos estados sociais. Simultaneamente, os Ministérios responsáveis pela prestação dos apoios a estas populações vulneráveis (com destaque para os da Saúde, Educação e Solidariedade, Emprego e Segurança Social) viram os seus orçamentos sofrer alguns cortes – apesar de esforços no sentido de uma proteção destas áreas sociais através de uma discriminação positiva, há limites à extensão dos mesmos ... No caso da Saúde, por exemplo: o SNS apresentava um défice significativo, resultante do seu funcionamento normal, a que acresciam dívidas a fornecedores de cerca de 3 mil milhões de Euros. Não pagando a fornecedores, havia o risco real de rotura nos fornecimentos a curto prazo. Como poderíamos continuar a prestar cuidados a todos os cidadãos, de forma geral e tendencialmente gratuita, como estipula a Constituição ? Parte do esforço financeiro feito nestes 2 anos e meio de governação foi exatamente o de arranjar, do Orçamento do Estado, verbas adicionais para a Saúde, só para fazer face a estes pagamentos em atraso – tarefa que, pela sua magnitude, está ainda em curso.
Como enfrentámos esta crise ?
Iniciámos, em 2011, uma reforma no setor da saúde, no contexto da crise económica e da vontade de manter em funcionamento um Serviço Nacional de Saúde, como estipula a Constituição, “universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito” (slide 2). O programa do XIX Governo Constitucional diz, aliás, explicitamente, que as políticas nele enunciadas visam, entre outros objetivos, a preservação das instituições basilares do Estado social (embora se exija um aumento da sua efetividade).
O sistema de saúde Português tem vindo, ao longo das últimas décadas, a convergir em termos de resultados com as médias da OCDE e da União Europeia a 15 e este é um dos seus pontos fortes: a taxa de mortalidade infantil, de novo a oscilar em torno dos 3 por mil é o exemplo clássico, a esperança de vida à nascença é outro exemplo.
O mesmo sistema enfrenta, no entanto, algumas ameaças: a sua sustentabilidade financeira não está garantida, nomeadamente porque os seus custos nas últimas décadas têm vindo a crescer acima da taxa de crescimento da economia, e por isso a capacidade de prestar serviços a todos, de forma tendencialmente gratuita, está em risco.
Na parte dedicada à saúde, o programa do Governo inclui a implementação de um Plano Nacional de Saúde ambicioso, focado na prevenção de doenças e na promoção de estilos de vida saudáveis, com programas nacionais dirigidos a problemas clínicos major identificados como prioridades (slide 3). O programa do governo reconhece simultaneamente a necessidade de conter custos, de usar os recursos de forma mais racional e eficiente, de aumentar a accountability, a responsabilização pelos resultados, bem como a necessidade de transparência na gestão dos fundos públicos e de decisões políticas imparciais, objetivas e efetivas. Portugal está ao abrigo de um programa de ajuda financeira, sujeito a um memorando de entendimento com o Banco Central Europeu, o Fundo Monetário Internacional e a Comissão Europeia. Entre os objetivos do memorando de entendimento com esta troika para o setor da saúde estão melhorar a eficiência e efetividade do sistema, induzindo um uso mais racional dos serviços e o controlo das despesas e gerar poupanças adicionais nos custos operacionais dos hospitais desenhando uma estratégia para evitar a acumulação de dívidas a terceiros. 
A evolução do orçamento para a saúde desde 2000 (slide 4) mostra que o SNS foi sub-financiado (pelo menos em termos dos que são de facto os seus gastos) e como consequência a equipa atual do Ministério da Saúde tem vindo a trabalhar no pagamento das dívidas acumuladas no setor enquanto implementa mecanismos de controlo que garantam que a despesa ficam dentro dos orçamentos definidos evitando nova acumulação de dívida.
Apesar deste contexto, em paralelo com os esforços para garantir a sustentabilidade económica do SNS, o programa do governo para a saúde de 2011 a 2015 inclui como objetivos estratégicos melhorar o acesso aos cuidados, garantindo cobertura universal, de forma equitativa, com a prestação de cuidados tendencialmente gratuita no momento da prestação de serviços, melhorar a qualidade dos cuidados prestados, trazer os resultados para os níveis dos dos restantes países Europeus.
Em termos da melhoria do acesso a cuidados, um dos maiores objetivos é garantir uma cobertura universal pelos cuidados de saúde primários. Para este efeito, estamos a
aumentar o número de unidades de saúde familiar (equipas multidisciplinares pequenas, flexíveis, que proporcionam mais acesso, continuidade de cuidados e satisfação)
aumentar o número de médicos de medicina geral e familiar e as horas trabalhas por semana (de 35 para 40), 
atualizar as listas de doentes de cada médico, e
criar o papel do enfermeiro de família.
Conseguimos, com estas medidas, atribuir médico de família a mais de 500.000 utentes que não o tinham.
Reorganizar a rede hospitalar constitui inevitavelmente outra importante linha de ação, incluída no memorando de entendimento com a Troika. Os esforços para reduzir os custos dos hospitais e para promover a sua eficiência sem descurar a equidade incluem quando necessário fusões, encerramentos e a concentração de serviços, para evitar duplicações. Mas a reforma hospitalar segue 8 eixos, incluindo a coerência da rede hospitalar, a política de financiamento, a integração de cuidados, a eficiência, a qualidade, a informação e as tecnologias, a governação hospitalar e o papel dos cidadãos. A reforma hospitalar envolve uma equipa central, as administrações regionais de saúde e os hospitais.
Em termos de qualidade, continuamos a publicar normas de orientação clínica focadas sobretudo na prescrição de fármacos e de meios complementares de diagnóstico e terapêutica e baseadas na melhor evidência científica disponível. Temos, neste momento, mais de 100 normas, cobrindo mais de 80% da despesa do SNS nas áreas citadas. As normas de orientação clínica estão a ser integradas no novo sistema de prescrição eletrónica, e a sua implementação auditada. 
As taxas moderadoras são, muitas vezes, tópico de discussão mas sem grande justificação: as taxas foram revistas, responsabilizando os cidadãos por uma utilização equilibrada dos serviços mas isentando as populações mais vulneráveis, nomeadamente os que têm necessidades clínicas e económicas especiais (mais de 5 milhões em 10). Em qualquer caso, interessa notar que as taxas moderadoras representam menos de 2% do orçamento total do SNS, o número de cidadãos isentos aumentou e a maioria da população manteve o seu estatuto ou viu-o melhorado.
Encaramos também a qualidade da gestão como um imperativo ético e o combate ao desperdício e à fraude como uma obrigação. No seu relatório de 2011,a Organização Mundial de Saúde estimava que a ineficiência custasse 20% a 40% do total da despesa em saúde e os erros e fraude 6% - no caso Português, podemos estar a falar de 2 mil milhões de Euros.
Em termos de política do medicamento, os passos principais incluíram:
a desmaterialização da prescrição – um meio para combater fraudes e monitorizar o cumprimento de normas clínicas -, 
a prescrição por denominação comum internacional, e
o aumento da quota de mercado dos genéricos. 
Nesta matéria, foi publicada legislação para remover as barreiras de entrada de genéricos no mercado, sobretudo as administrativas e legais, por forma a acelerar o uso e comparticipação de genéricos, com redução marcada do número de fármacos a aguardar aprovação para entrar no mercado. A quota de mercado dos genéricos subiu e como consequência tanto os cidadãos como o Estado pouparam milhões de Euros.
Finalmente, vendo a informação como uma vantagem quer para a gestão quer para aumentar a transparência do sistema, desenvolvemos e estamos a implementar uma plataforma de dados de saúde e começámos a publicar mensalmente informação sobre o desempenho institucional, tornando as instituições responsáveis perante o público, através de atividades de “benchmarking”. Em relação à plataforma de dados em saúde, a maior parte das instituições públicas de cuidados de saúde primários, cuidados hospitalares e as de cuidados continuados estão a ser conectadas. Centenas de milhares de utentes já estão a usar o sistema para agendar atos, por exemplo, e profissionais em mais de 500 serviços já usam o sistema também. Participamos igualmente no projeto europeu de e-Health, o EpSOS. Uma referência também ao desenvolvimento e implementação do sistema de certificação eletrónica de óbitos, área em que Portugal é um dos países mais avançados do mundo, a par dos Estados Unidos.
Em termos de recursos humanos, o número de profissionais aumentou duas a 10 vezes ao longo das últimas décadas. Este facto e nova legislação permitiram o desenvolvimento de investigação clínica que é hoje em dia mais competitiva, com diversos cientistas Portugueses a receber recentemente prémios e bolsas internacionais de grande prestígio (slide 5). 
No geral, estão em curso várias reformas estruturais (slide 6), de que destacaria os avanços na política do medicamento, a implementação da plataforma de dados em saúde, um melhor uso da capacidade hospitalar, o aumento do número de utentes por médico de família, a recente legislação sobre incompatibilidades, e a emissão de faturas pro forma para tornar os cidadãos conscientes dos custos e do valor do SNS, como forma de aumentar a transparência do sistema, aceitando os custos que a mesma por vezes acarreta. Muitas outras medidas estão a ser implementadas (slide 7), incluindo a publicação de formulários farmacológicos nacionais, a criação de um registo de dispositivos médicos, e maior volume de compras centralizadas e de serviços partilhados. 
Finalmente, uma palavra sobre a internacionalização do setor da Saúde Português (slide 8). Portugal quer ver o seu setor de saúde reconhecido como um prestador de serviços de grande qualidade e tornar-se uma opção competitiva a nível internacional. As infra-estruturas são boas, várias instituições estão acreditadas internacionalmente, os profissionais são altamente qualificados e os preços competitivos, daí o nosso interesse e capacidade de atrair parceiros e apoiar parcerias internacionais.
Em conclusão, a reforma do setor da saúde em Portugal envolve um conjunto de medidas que visam garantir a sustentabilidade do sistema ao mesmo tempo que garantem o acesso e a qualidade do mesmo. Os cuidados de saúde primários ainda são vistos como a base do sistema, prioridades clínicas e epidemiológicas são contempladas por programas específicos, a rede hospitalar está a tornar-se mais coerente, a prática clínica é cada vez mais baseada na evidência e o acesso a medicamentos melhorado nomeadamente através de genéricos. Para garantir a sustentabilidade do sistema, estamos a pagar dívidas e a combater a fraude. O sistema é hoje mais transparente e accountable, responsável, nomeadamente através da disponibilização de mais informação online. 
Resumindo algumas das mensagens principais desta primeira fase, salientaria:
Que nem todos os cortes em saúde são necessariamente negativos (veja-se os casos de fraude, a ineficiência e as rendas excessivas) – abordámos estas áreas para proteger a prestação de cuidados;
Que a estratégia passou por reduzir custos reduzindo preços (slide 9) (nomeadamente na área dos medicamentos e dos dispositivos – cortes dirigidos, não cegos), de novo minimizando o impacto na prestação, conforme preconizado pela Organização Mundial de Saúde (slide 10) e como reconhecido, aliás, publicamente por um reconhecido economista da saúde Português;
Que por esta via induzimos redução de custos com o sector privado;
que, ao contrário do que somos acusados, não fomos para além do exigido pela troika ! Ficámos, na verdade, aquém do exigido, como se comprova pelo facto de ainda não termos conseguido eliminar completamente a acumulação de arrears. Como ficámos aquém também nos valores cobrados em taxas moderadoras – por opção nossa, clara, política, para não sobrecarregar (mais) os cidadãos e não afetar o acesso em caso de necessidade !
Mas ainda há trabalho a fazer no futuro próximo ! A continuação da implementação da política de saúde deste governo centra-se à volta destes eixos estratégicos. A recente sexagésima-terceira sessão do Comité Regional para a Europa da Organização Mundial de Saúde aprovou dez lições políticas e recomendações a tirar sobre sistemas de saúde num contexto de crise económica global. Destas, destacaria duas:
enquanto lidamos com a crise, não nos devemos esquecer dos desafios a longo-prazo que se põem aos sistemas de saúde – a necessidade de sistemas de prestação de cuidados coordenados, baseados em cuidados de saúde primários, cuidados comunitários e de natureza social, a necessidade de ter a saúde em todas as políticas, nomeadamente para fazer face aos fatores de risco para doenças não transmissíveis, um ênfase na promoção da saúde e na prevenção da doença, investimento adequado na educação profissional, a expansão do papel da enfermagem;
por outro lado, devemos recordar-nos que reformas estruturais profundas exigem mais tempo para trazer poupanças – reformas fundamentais, como influenciar o custo de prestar serviços, exigem com frequência investimento à partida, que pode estar limitado durante uma crise e provavelmente não estará disponível no curto prazo. Os sistemas de saúde têm portanto que procurar ganhos de eficiência continuamente, e não apenas quando atingidos por crises.
Qual o futuro do estado social Português ? Que perspetivas de futuro se nos abrem ao fim de 2 anos e meio de governação ?
Como penso que deixei claro, encontrámos o SNS, como o Estado no seu todo, próximo da insolvência, e não era sustentável a sua continuidade no mesmo registo, pelo que a prioridade foi salvá-lo. Para que um estado social seja sustentável a curto, médio e longo prazo, é preciso, depois de regularizar as contas, garantir que não se voltam a acumular dívidas – e isto significa que temos que equilibrar orçamentos: não podemos continuar a gastar o que não temos ! Tomámos algumas medidas duras e difíceis mas conseguimos repor algum equilíbrio nas contas da saúde, sem descurar o normal funcionamento do serviço e sem deixar que fossem afetados resultados fundamentais em saúde, que continuam a ser os mais importantes para nós.
Para equilibrar receitas e despesas, podemos aumentar as primeiras, reduzir as segundas, ou atuar nos dois pratos da balança em simultâneo. 
O aumento das receitas a partir do Orçamento do Estado pode ser uma alternativa como disse atrás, se decidirmos enquanto sociedade retirar fundos de outras áreas; no entanto, Portugal tem uma percentagem significativa do seu Produto Interno Bruto alocada à Saúde, em termos europeus e mesmo mundiais. As taxas moderadoras não são relevantes em termos do financiamento do SNS e a melhoria da sua cobrança, embora importante por uma questão de princípio, não vai resolver nenhum problema. Esta foi aliás uma das áreas em que o atual governo muito se preocupou com não afetar o acesso e proteger os mais desfavorecidos, defendendo sobretudo todos os que tinham razões clínicas e económicas em simultâneo. 
Uma das soluções apontadas pela OMS é reduzir despesas; sem afetar resultados em saúde. Devemos cortar despesa pública em saúde com desperdício, fraude e rendas excessivas. O desperdício, relembro, não é uma rubrica específica do Plano Oficial de Contas, cujo montante se possa reduzir administrativamente; está espalhado transversalmente por todo o sistema e tem por isso que ser combatido com a ajuda de todos. As estimativas da Organização Mundial da Saúde atrás citadas são incontornáveis. O desperdício está em horas de pessoal a fazer tarefas desnecessárias, em fármacos usados em situações indevidas, ou no uso de fármacos excessivamente caros quando existem alternativas credíveis mais baratas. Não nos devemos esquecer que, no limite, não é o Estado que suporta todo este desperdício: somos nós, os cidadãos, individualmente, que pagamos todos este desperdício, do nosso bolso, enquanto contribuintes, através dos impostos ! Os cidadãos têm de perceber que reduzir a despesa pública desnecessária é essencial para conseguir reduzir o endividamento e a carga fiscal !
Temos depois que ser mais eficientes, produzir mais com os recursos que temos. Isto permite-nos reduzir tempos de espera e aumentar o acesso dos cidadãos aos cuidados de que necessitam. 
Concluo dizendo enquanto cidadão que temos que refletir sobre alguns destes aspetos enquanto sociedade e fazer escolhas. Tenho confiança na sustentabilidade e capacidade de manutenção de um estado social com qualidade, mas parece-me incontornável que a curto prazo aumentemos a nossa eficiência, a nossa capacidade de combater o desperdício e a fraude, para nos pouparmos a escolhas muito mais difíceis. Façamos uma ligação da despesa pública em saúde ao valor de cada intervenção. 
Só desta forma conseguiremos, num cenário de exigências demográficas e epidemiológicas crescentes, continuar a oferecer aos nossos cidadãos, um serviço nacional de saúde de qualidade, geral, universal e tendencialmente gratuito, como prevê a Constituição. Obrigado».

Cascais, 19 de fevereiro de 2014