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As instituições independentes criticam um Governo que desaproveitou a conjuntura externa muito favorável para aumentar o potencial da economia e aumentou a despesa corrente primária estrutural.
Na semana passada saíram vários alertas sobre o OE2020 e sobre as Finanças Públicas Portuguesas. Tivemos o relatório do Conselho de Finanças Públicas (CFP), a versão final do relatório da UTAO e as recomendações da Comissão Europeia.
O CFP começa por endossar as previsões macroeconómicas do Governo no OE2020. Contudo, deixa vários alertas e preocupações sobre o exercício orçamental, similares aos que eu tenho aqui e noutros fóruns, nestes últimos anos, chamado a atenção.
A primeira é que este crescimento tendo servido para reduzir o défice nominal e a dívida pública, mas que este crescimento resulta de uma conjuntura externa favorável e da absorção dos níveis anormalmente altos de desemprego que a crise 2008-2013 gerou. Não tem havido aumentos de produtividade que mostrem uma economia mais competitiva e robusta.
Depois, alerta que nos cálculos do CFP, existe um risco de afastamento das regras Europeias, nomeadamente no que diz respeito ao défice estrutural e ao objetivo de médio prazo de um saldo estrutural equilibrado. O CFP também alerta que a despesa sobe bastante mais do que é determinado pelo “benchmark” de despesa seguindo as regras Europeias.
De facto, o crescimento da despesa primária será de 4.2%, quando o máximo permitido pelas regras Europeias seria de 1.7%, sendo que a Comissão, quando se depara com um desvio superior a 0.5%, considera isso como um “risco de desvio significativo”.
O CFP chama também a atenção que as medidas tomadas em 2019, ano de eleições, estão a pesar fortemente no exercício orçamental de 2020. O OE19, que aqui tinha apelido de eleitoralista, pesa agora mais de mil M€ em 2020 (mais 800 M€ de despesa e menos 250 M€ de receita). Daí que para 2020 o governo não possa apresentar muitas novidades. Esgotou essa capacidade no OE antes das eleições.
O CFP reforça também a ideia, que tenho demonstrado frequentemente, que a redução do défice nominal, nestes últimos 4 anos, resultou quase exclusivamente da redução da despesa com juros, das receitas dos dividendos e IRC do Banco de Portugal e do aumento da receita fiscal fruto de uma conjuntura muito favorável.
Assim, o CFP conclui que:
- “Em termos de cumprimento da vertente estrutural das regras orçamentais, considerando a leitura global fornecida pelos dois pilares de avaliação da trajetória de ajustamento, conclui-se que o ritmo de ajustamento previsto para 2020 aponta para o risco de desvio face à recomendação do Conselho e aos requisitos da vertente preventiva do Pacto de Estabilidade e Crescimento”.
Isto apesar de a receita subir 4.1 mil M€, dos quais 1.8 mil M€ são receitas de impostos e 1.2 mil M€ de contribuições sociais. Já a despesa aumenta 3.4 mil M€, sendo 80% desse valor despesa corrente primária.
Diga-se que a avaliação da Comissão Europeia vai no mesmo sentido. A Comissão continua a apontar um risco significativo de desvio e pede ao Governo reformas em matéria orçamental. Já aqui escrevi isso várias vezes, a última das quais depois de um relatório do Tribunal de Contas do mês passado, fortemente crítico da falta de empenho do governo na reforma das Finanças Públicas, iniciada em setembro de 2015 com a nova Lei de Enquadramento Orçamental.
Já o relatório final da UTAO arrasa o OE. Começa por dizer que “o conceito de carga fiscal usado pelo Ministério das Finanças na proposta orçamental não corresponde ao utilizado pelo INE e pela Comissão Europeia”. Diz ainda que “o conceito de carga fiscal utilizado pelo Ministério das Finanças no Projeto de Plano Orçamental para 2020 de dezembro não corresponde ao utilizado habitualmente pelo INE [Instituto Nacional de Estatística] e pela CE [Comissão Europeia], por não incluir os impostos sobre a produção e a importação cobrados em Portugal a favor do orçamento da UE [União Europeia]”.”
Ou seja, o governo “esconde” receita nos seus números, para que não se saiba que de acordo com os cálculos da UTAO, o valor da carga fiscal será superior ao que o Governo prevê, que por si só já era a carga fiscal mais elevada de sempre. Será de 35% em 2019 e de 35.3% em 2020. Mas, dizem ainda os peritos do Parlamento: “se adicionalmente se considerar a receita de impostos e contribuições sociais que não se encontrava especificada nas medidas de política orçamental, o aumento da carga fiscal em 2020 subjacente à proposta de OE2020 afigura-se ainda maior, colocando-a em 35,4% do PIB, que é “o patamar mais elevado da história recente”.
Apesar de a carga fiscal continuar ligeiramente abaixo da média Europeia (mas acima da média se se considerar apenas os países da convergência – sul e leste da Europa), a UTAO chama a atenção que há diferenças na estrutura da carga fiscal, já que em Portugal ela é “mais concentrada na tributação indireta” representando 44% do total em 2018, enquanto nos países da área do euro a tributação indireta assume, em média, o peso de 33,1% do total.
Mas a UTAO desmascara também a farsa que se tem vivido nas últimas semanas relativamente ao setor da Saúde. A UTAO concluiu que o “reforço orçamental” propagandeado pelo Governo, de mais 930 M€, não se traduz em mais recursos para a Saúde. Não haverá um aumento real do financiamento do SNS.
O tal aumento que o Governo fala é sempre comparado com a dotação inicial de 2019 e não com a execução. Na realidade, o montante previsto para 2020 para o SNS é inferior à execução de 2019 em 121 M€. Um logro, portanto. Ou seja, a saúde é uma prioridade nos discursos, mas não nos atos e decisões. Aliás, bastava ver que mesmo nos mapas do governo, mesmo com os logros que agora a UTAO revela, o SNS via a sua despesa aumentar 2%, enquanto que a despesa primária aumenta 4.2%.
Assim, as principais instituições de supervisão orçamental, nacionais e Europeias, são céticas dos números apresentados pelo governo. Mas sobretudo continuam, tal como tenho feito, a criticar um Governo que ao invés de ter aproveitado a conjuntura externa muito favorável (crescimento, receitas, descida dos juros) para implementar reformas estruturais que aumentem o crescimento potencial e melhorem a eficiência da despesa pública, reduzindo o seu peso na economia, preferiu utilizar essa conjuntura e essas receitas cíclicas para aumentar despesa corrente primária estrutural e fazer uma consolidação orçamental meramente nominal e pouco robusta.
Artigo de opinião de Joaquim Miranda Sarmento, publicado no jornal ECO.