José Cancela Moura: O 20.º ministro

3 de junho de 2020
PSD

Os partidos devem abrir-se à sociedade civil, tal como os governos devem aportar para a governação os mais capazes. Acontece que Portugal é um Estado de direito e quem desempenha cargos públicos, seja por eleição ou pela nomeação dos seus decisores legítimos, deve ser escrutinado e respeitar o quadro legal.

António Costa convidou o gestor António Costa Silva para coordenar a preparação de um programa de recuperação económica. Não está em causa nem a legitimidade do Primeiro-Ministro para escolher quem quer para conselheiro ou para ministro, nem tão pouco o mérito e as competências do CEO da Partex.

Mas há questões que merecem uma análise mais cuidada.

Por um lado, não é a primeira vez que o Primeiro-Ministro recorre ao seu círculo mais restrito de amizade e confiança para “requisitar” personalidades para liderar dossiers em que os membros do Governo não conseguem dar resposta. Porém, o Primeiro-Ministro fá-lo sempre de uma forma nebulosa, servindo-se de um estatuto de legalidade vazia já que, normalmente, esses conselheiros ou consultores não estão abrangidos pelo regime dos gabinetes ministeriais, desconhece-se quais a funções que irão desempenhar e até se são remunerados ou não.

Só depois, pela pressão mediática, é que o Primeiro-Ministro se sente obrigado a clarificar estas situações de opacidade, que indiciam indisfarçáveis toques autocráticos de quem se fecha numa rede de amigos e nomeia os mais próximos, sem a devida transparência. Foi assim também com o seu amigo de longa data – palavras do próprio – Diogo Lacerda Machado, nomeado informalmente pata gerir a reversão da privatização da TAP e que, só mais tarde, veio a ser contratado como consultor para a “prestação de serviços de consultoria estratégica e jurídica, na modalidade de avença, em assuntos de elevada complexidade e especialização”, até se transferir, pasme-se, para o Conselho de Administração da TAP.

Por outro lado, é bom recordar que foi o próprio António Costa que criticou esta prática, quando, em 2012, Pedro Passos Coelho convidou António Borges, para consultor do Governo em áreas fundamentais do Estado. “Não é admissível que uma pessoa seja ministro para todos os efeitos, menos para o estatuto constringente da função ministerial. É um escândalo aceitar, e escrever-se olimpicamente, que António Borges é o 12.º ministro”, acusava o então comentador de televisão e presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Oito anos depois, António Costa ou está com estado de amnésia, ou tem memória seletiva ou cai na contradição de Frei Tomás, “olha para o que ele diz, não olhes para o que ele faz”. Das três uma, mas nenhuma delas abonatória.

António Costa Silva será um paraministro? E, se é, para quê?

Será que ainda antes de ser “conselheiro” do chefe do Governo não deveria estar antes investido de funções, com contrato, competências e estatuto remuneratório definidos? Não estando ainda resolvido o estatuto do 20.º ministro, do paraministro, do protoministro ou do que seja, haja pelo menos o decoro, como alertou Rui Rio, que esteja impedido de intervir como interlocutor junto dos partidos da oposição e da Assembleia da República.

Do ponto de vista político, sobre esta opção, há ainda um outro aspeto a ter em conta. António Costa Silva foi um crítico das opções do Governo socialista, que agora se dispõe a servir, como “ministro sombra ou clandestino”. Ainda há dois anos afirmava “decidimos não investir mais em Portugal, não vale a pena”, a propósito da “política energética muito errática” do Executivo, que abandonara a exploração de gás e petróleo no Algarve. António Costa Silva denunciava a “fraquíssima inteligência estratégica” do ministro Manuel Caldeira Cabral, assim como lamentava a ausência de um rumo de uma geringonça que, no seu todo, descurava o País “para enfrentar uma nova crise financeira e económica”. E, de facto, a crise chegou mais depressa do que pensávamos.

É por demais evidente que o Governo acaba de fazer uma remodelação sem assumir essa figura, com o Primeiro-Ministro a recorrer a um crítico que se juntou a uma família desavinda e que se vai despedaçar, à luz de um velho ditado: “em casa em que não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”.

Finalmente, duas conclusões e uma contradição óbvia.

António Costa já não confia nos seus e prefere recorrer a um consultor externos e independentes, que fez carreira na era do petróleo.

É António Costa Silva que, depois de ter consolidado um percurso profissional num “modelo baseado na destruição ambiental” e no petroconsumismo, em ano de pandemia covid-19, será o responsável pela construção de um novo modelo económico.

“Os pirilampos são animais sábios, eles usam o escuro para se alumiarem”, afirmava o então gestor da Partex, na TVI 24, no passado mês de abril, comentando a comercialização do petróleo, em Nova Iorque, a 40 dólares negativos.

O Governo está perdido num “escuro imenso” há muito tempo e não há pirilampo que salve uma governação que, definitivamente, anda às aranhas.

Artigo publicado originalmente no Povo Livre